Otto Nelson (1881–1982). Quando Otto Nelson ainda era jovem (29 anos), o seu país (Suécia) foi abalado por uma crise econômica que envolveu toda a Europa, obrigando-o a emigrar para os Estados Unidos em busca de trabalho. Ali, todas as coisas contribuíram para que ele aceitasse Jesus como seu Salvador e Senhor. Em 1911, o Senhor o batizou com o Espírito Santo; naquele dia Deus falou ao seu coração e o chamou para a obra missionária, fazendo-o entender a visão divina da necessidade mundial e da responsabilidade global que o Senhor faz pesar sobre os seus discípulos através da Sua Palavra (Mt 28.19).
Recém-casado com a jovem Adina Peterson Nelson (1889-1978), o jovem missionário (com apenas quatro anos de fé em Cristo) chegou à capital do Pará, Belém (em 1914), onde os missionários pioneiros Gunnar Vingren e Daniel Berg já estavam. Após aprender o idioma pátrio, no dia 21 de julho de 1915 pregou pela primeira vez a Palavra de Deus em solo brasileiro, conforme informa o missionário Gunnar Vingren, em seu diário. Porém, o tempo de Otto Nelson em Belém era curto, pois o Senhor já estava preparando um lugar para ele trabalhar. Vejamos o relato de Gunnar Vingren que, depois de quase cinco anos de árduo serviço evangelístico em Belém, estava desejando viajar a Suécia para divulgar o crescimento da obra no Brasil e também conseguir ajuda financeira para o trabalho: No dia 31 de março (1915), ouvimos duas profecias. Eu havia pensando em viajar para minha terra e visitar os meus parentes, mas o Senhor me exortou, dizendo: Vem para mais perto de mim! Ainda tenho muito trabalho para ti. Eu irei à tua frente e farei a minha obra depressa! (Diário do Pioneiro, p.74). Após ouvir esta profecia, Gunnar Vingren entendeu que o Senhor queria que ele ampliasse a evangelização no vasto território brasileiro; portanto, resolveu adiar os seus planos de viagem para outra ocasião.
Depois de um período de aproximadamente vinte dias de oração, o Senhor lhe revelou que deveria seguir para Maceió, capital do Estado de Alagoas. Antes de viajar, ele entrou em contato com um senhor crente, chamado Simplício, que bondosamente ofereceu sua casa em Maceió para hospedá-lo (o gesto deste irmão era um sinal claro vindo da parte de Deus, pois os seus recursos financeiros eram limitados). Portanto, seguro desta direção, Gunnar Vingren foi para Maceió; a viagem marítima durou nove dias. Na manhã do dia 1º de maio (1915), ele desembarcou no porto de Maceió. Naquela mesma manhã, embora estivesse cansado da longa viagem, o valente missionário participou de um culto onde estiveram presentes cerca de nove crentes, membros de Igrejas tradicionais, que não conheciam a doutrina pentecostal. Naquele mesmo dia o convidaram para orar por uma senhora crente que estava gravemente enferma. Diante desta triste situação, o missionário orou e o Senhor repreendeu aquele mal; este fato muito alegrou os parentes da referida irmã e demais pessoas que estavam presentes na casa dela.
No dia seguinte, Gunnar Vingren realizou o segundo culto; o local ficou lotado, pois a notícia se espalhou rapidamente por toda a vizinhança. As pessoas queriam conhecer o homem que orara pela irmã. Foi uma grande oportunidade para Vingren falar mais uma vez do poder de Deus em solo alagoano. Porém, os poucos dias que ele tinha para evangelizar a cidade se passaram depressa (na época Maceió tinha poucos bairros). Quase todos os dias ele realizava cultos marcados pela presença do Espírito Santo; sempre estavam presentes pessoas não-crentes e também crentes de outras denominações, que demonstravam interesse pela doutrina pentecostal.
Até então os cultos eram realizados na casa do irmão Simplício (no Trapiche da Barra). Depois de alguns dias de evangelização e ensino, o missionário Vingren se hospedou na casa de um irmão chamado Candinho, que alegremente o recebeu em seu lar. Este irmão, no dia 28 de maio de 1915, foi batizado com o Espírito Santo, sendo, assim, o primeiro crente alagoano que recebeu a promessa pentecostal!
Apesar de ter enfrentado algumas dificuldades, sete crentes batistas e cinco adventistas abraçaram a doutrina pentecostal. Depois de um curto ministério em Maceió, Vingren retornou, chegando a Belém no dia 13 de julho de 1915. Ele haveria de retornar a Alagoas, oito anos depois, em outubro de 1923, para participar da primeira convenção da Igreja Assembleia de Deus neste Estado.
O ministério de Otto Nelson em Alagoas. Estando informados do trabalho que Gunnar Vingren realizara em Maceió, Otto Nelson e sua esposa começaram a buscar a direção de Deus para suas vidas; após algum tempo de oração, eles sentiram que o Senhor os queria em Alagoas. Sobre esta decisão, Otto Nelson registrou o seguinte: Neste mesmo tempo, sentimos, eu e minha esposa, que devíamos atender a chamada de Deus, isto é, mudar-nos para este Estado e continuar o trabalho missionário que foi iniciado pelo irmão Gunnar Vingren (Despertamento Apostólico no Brasil, p.65).
Portanto, após passarem dez meses com os missionários Gunnar Vingren e Daniel Berg, em Belém do Pará, Otto Nelson e Adina Nelson (que inclusive já haviam aprendido pronunciar várias palavras do idioma português), fizeram o planejamento para a longa viagem até Maceió. Porém, grande foi o desapontamento do casal diante da impossibilidade de viajarem juntos, pois não havia recursos financeiros suficientes para a compra de duas passagens. Contudo, tal impossibilidade não desanimou o casal, que concordou com a decisão de um viajar sozinho para Maceió e o outro ficar aguardando em Belém até que o Senhor mandasse os recursos necessários.
Com muita determinação e confiança em Deus, Otto Nelson comprou uma passagem de terceira classe e embarcou num navio costeiro (no dia 13 de agosto de 1915) com destino a Maceió. Sobre esta viagem, ele escreveu o seguinte: Por falta de dinheiro, não foi possível irmos os dois juntos; tínhamos somente o suficiente para eu viajar com passagem de terceira classe a Alagoas. Em nome de Jesus, despedi-me da minha querida esposa e embarquei num navio costeiro, e passei nove dias ao lado, não apenas de pessoas, mas também de bois, cavalos e vacas, no meio de uma grande sujeira (Ibidem, p.66).
Finalmente, depois de uma desgastante viagem de nove dias, Otto Nelson chegou ao lugar determinado por Deus. Após o desembarque no porto de Maceió, ele dirigiu-se à humilde casa do pescador Balbino Gomes, que era uma das pessoas que ouviram a Palavra quando Vingren esteve em Maceió. Apesar de ser um homem simples, o irmão Balbino recebeu o missionário como um embaixador do Senhor. Sua hospitalidade impressionou tanto o irmão Nelson, que depois ele escreveu em seu diário: Me sentir como se estivesse em minha casa, desde o primeiro dia que cheguei naquele simples rancho, pois a família de pescadores era crente; por intermédio da visita do irmão Vingren tinham crido no Espírito Santo e em todas as Suas verdades. Alegrei-me muito ao dobrar os joelhos com estes irmãos para adorar o Senhor e pedir o Seu poder (Ibidem, p.66).
Fundação da Igreja Assembleia de Deus em Alagoas. Quatro dias após a chegada de Otto Nelson a Maceió (25/08/1915), ele realizou oficialmente o primeiro culto da Igreja Assembleia de Deus em Alagoas, estabelecendo, assim, esta data como o dia da sua fundação em solo alagoano. Este culto inaugural, apesar de ter sido realizado na humilde casa do irmão Balbino, foi marcado pela presença do Senhor, que batizou duas pessoas com o Espírito Santo (uma delas era a irmã Damiana, conhecida como Zóia). Posteriormente, esta irmã foi pioneira na evangelização de algumas cidades do Litoral Norte alagoano, como Maragogi, Porto de Pedras e Passo do Camaragibe.
Otto Nelson enfrenta os primeiros obstáculos em Maceió. Embora o início do trabalho da Igreja Assembleia de Deus em Maceió tenha sido confirmado pela bênção do Senhor, os quatro primeiros anos foram também marcados pelas muitas lutas, inclusive perseguições. Uma das primeiras provações que ele enfrentou, aconteceu duas semanas após sua chegada nesta cidade: foi acometido de malária, que na época assolava Maceió, devido às precárias condições de higiene sanitária e saneamento público. Até mesmo a água de beber que o povo usava era completamente contaminada, provocando sérias doenças na população maceioense.
Otto Nelson relata em seu diário o quanto sofreu quando foi acometido pela malária, principalmente porque nessa ocasião estava sem a companhia de sua esposa: Eu estava em Alagoas há apenas duas semanas, quando adoeci. Não tinha cama, somente uma rede; nessa rede fiquei deitado durante três meses inteiros, às vezes tremendo de frio, outras vezes suando de febre. Foi uma luta de vida ou morte; portanto, se Deus não tivesse intervindo, trazendo minha esposa do Pará para me ajudar, então os meus dias de trabalho neste país teriam sido muito curtos e terminados antes de começar (Ibidem p.67).
Recuperado da malária e agora contando com o apoio de sua esposa, Otto Nelson dedicou-se ainda mais à evangelização, realizando cultos públicos, visita aos lares dos crentes e de pessoas interessadas no Evangelho. A missionária Adina aproveitava os domingos e saía com as poucas irmãs existentes na Igreja recém-nascida, para visitar os presos e enfermos.Porém, os inimigos da Igreja, vendo o progresso da mesma, levantaram-se contra o casal, tentando impedir o trabalho que eles realizavam. Pelo fato de ser estrangeiro, Otto Nelson foi acusado de ser espião de guerra, e, por causa dessa acusação falsa foi preso e conduzido a pé pelos policiais até o presídio no centro da cidade. Uma grande multidão que o seguia, gritava, zombava e atirava frutas podres nele. Em certo momento se sentiu só e desamparado, mas logo o Espírito Santo o confortou e ficou confiante, sabendo que Jesus estava com ele! Porém, os crentes oraram por ele e, no outro dia, pela manhã, o governador o tirou da prisão.
Outro episódio suscitado por perseguição, aconteceu quando o seu terceiro filho faleceu. Ao tentar sepultar o seu filho, o casal foi informado que o padre local não permitia, alegando que o cemitério era da igreja católica, e que herege lá não podia ser enterrado. Por causa desta ordem os coveiros cavaram a sepultura do garoto do lado de fora do cemitério. Além desta ação reprovável e desumana, o tal sacerdote trabalhou para que os católicos se levantassem furiosamente contra os servos de Deus. Sem ter como enterrar o seu filhinho, o casal rogou ao Senhor uma solução urgente para o caso. A resposta veio logo, pois o delegado, ao tomar conhecimento da proibição imposta pelo sacerdote, enviou uma escolta de soldados para acompanhar o enterro até o cemitério, e ali proteger os crentes durante a cerimônia de sepultamento, que aconteceu à noite, à luz de candeeiros. Além dessas perseguições, a família missionária enfrentou muitas vezes a escassez de alimento. Sobre estas dificuldades, anos depois Otto Nelson escreveu: Muitas vezes nos faltaram às coisas mais essenciais; e ajuda para a obra não havia. Mas confiamos no Senhor e nunca nos queixamos (Ibidem, p.68).
O Senhor supre as necessidades de seus servos. Apesar das muitas dificuldades enfrentadas, o Senhor jamais desamparou Otto Nelson e sua família; em todos os momentos o Senhor esteve com eles para abençoá-los. Certa ocasião, o irmão Balbino, que tinha recebido o batismo com o Espírito Santo, falou novas línguas, no idioma sueco. Foi nesta ocasião que Deus falou claramente com Otto Nelson e Adina (por intermédio do irmão Balbino), confirmando-lhes a chamada para o trabalho missionário em Alagoas.
Conta-se que em um momento de escassez, quando não havia nada para a família comer, Otto Nelson dirigiu-se ao correio na expectativa de lá encontrar a ajuda missionária que a Igreja da Suécia lhe enviava; porém, lá chegando, o missionário constatou que a esperada ajuda ainda não havia chegado! Assim sendo, ele retornou para sua casa muito triste, pois não sabia o que dizer a sua família que lhe aguardava na esperança de fazer a primeira refeição do dia. Porém, no percurso de volta para casa, o missionário Nelson passou ao lado de um monturo onde estavam várias galinhas ciscando o lixo, quando de repente uma dessas aves revolveu aos seus pés uma caixa de fósforos. Ele então sentiu no coração o desejo de apanhar a caixa, e, ao fazê-lo, percebeu que dentro dela havia alguma coisa; abrindo-a, encontrou algumas cédulas de dinheiro, que inclusive foram suficientes para ele comprar os alimentos que sua família precisava.
O primeiro templo da Igreja Assembleia de Deus em Alagoas. Após cinco anos de intenso trabalho, Otto Nelson viajou com sua esposa para a Suécia com o propósito de descansar um pouco e também arrecadar fundos para a construção de um templo em Maceió, porque o rebanho havia crescido satisfatoriamente. Portanto, havia necessidade de um local para os crentes cultuarem a Deus. Depois de visitar diversas Igrejas naquela nação, Nelson viajou para os Estados Unidos, onde também apresentou a necessidade da construção de um templo em Alagoas; lá ele conseguiu completar o dinheiro suficiente para iniciar a construção do templo. Ao retornar, Nelson deu início à construção de um templo (com capacidade para acomodar cerca de trezentas pessoas), que foi inaugurado em 22/10/1922. O seguinte relato da festa de inauguração que Otto Nelson registrou dá-nos a ideia da alegria que encheu o coração dos crentes naquele grandioso evento: Com grande júbilo entramos no templo para louvar o Senhor e pregar o Evangelho pleno; vinte e quatro pessoas foram batizadas nas águas na inauguração. Agora começou uma nova era do trabalho em Alagoas; lágrimas, jejuns e orações durante anos começaram a dar fruto (Ibidem, p.68). Em outro relato, Otto Nelson diz que Jesus salvou várias pessoas durante a inauguração do templo.
Evangelização no interior do Estado. Os seguintes relatos escritos por Otto Nelson nos mostram como ele se esforçou para ganhar almas no interior do Estado: Esforços também foram feitos para alcançar o interior com este glorioso Evangelho. Fiz várias viagens ao interior, fazendo cultos em muitos lugares; mas parecia tudo tão fechado! Os donos das grandes fazendas e plantações de açúcar viviam como reis e ninguém podia fazer nada que não fosse do seu agrado. Em geral eram inimigos do Evangelho; portanto, se alguém quisesse enfrentá-los arriscava a vida (Ibidem, p.69).
Em outro relato ele nos informa que até risco de morte sofreu enquanto realizava um culto na cidade de Maragogi, litoral norte de Alagoas: ‘Por um verdadeiro milagre escapei com vida em novembro de 1924. Tinha viajado dois dias, de Maceió a um lugar, para fazer culto; porém, ao chegar ali, tarde da noite, a casa foi rodeada por uma multidão de homens meio nus e embriagados, os quais levaram os crentes que ali estavam (inclusive eu) para fora e começaram a nos maltratar. Bem longe da civilização, numa praia deserta junto ao mar, onde não havia outras testemunhas, fui rodeado por 30 homens armados com paus e facas, gritando contra mim como feras. Não tinha muita esperança de escapar com vida; não pensava muito em mim mesmo neste momento, mas sim na minha esposa e minhas três filhas, em Maceió. Que seria delas se me matassem? Na minha aflição roguei ao Senhor que me ajudasse. A resposta veio; da maneira mais gloriosa o Senhor nos arrancou das garras dos lobos (Ibidem).
A primeira convenção e escola bíblica de obreiros. No ano seguinte à inauguração do templo, ou seja, em outubro de 1923, dos dias 21 a 28, foi realizada a primeira convenção estadual e escola bíblica de obreiros, que marcou profundamente os crentes alagoanos. Nesta ocasião estiveram presentes vários obreiros valorosos. Otto Nelson escreveu o seguinte sobre esta convenção: Jesus enviou muitos dos seus mensageiros para participarem da convenção; chegou o evangelista José Menezes, do Rio Grande do Norte; no sábado chegaram os missionários Gunnar Vingren, Samuel Nystron, Samuel Hedlund, Simon Sjogren, Elizabeth Johanson e Lily Johanson. Foi admirável contemplar a chegada desses obreiros, cheios de fé e do Espírito Santo (Ibidem).
Os estudos bíblicos eram ministrados durante o dia e, à noite, eram realizados os cultos evangelísticos com a presença de muitas pessoas não-crentes; algumas delas se converteram ao Senhor. O registro da época nos informa o seguinte: No domingo, dia 21, pela manhã, realizou-se a escola dominical; à tarde, uma concentração ao ar livre; à noite, culto em ação de graças (nesta ocasião, o templo ficou repleto de pessoas, inclusive visitantes, que escutaram a Palavra de Deus com muita atenção (Ibidem).
O missionário Otto Nelson deixa Alagoas para evangelizar outros campos. Em 1927, Otto Nelson viajou com sua família para a Suécia, com o propósito de descansar um pouco, porque se achava debilitado pelos ininterruptos anos de trabalho em Alagoas. Enquanto estava na Suécia, Otto Nelson sentiu que o seu tempo em Alagoas havia terminado. Portanto, pelo fato de ser um missionário desbravador, seguiria adiante, isto é, passaria à Macedônia para atender a suplica de um povo de outro Estado brasileiro (At 16.9). Assim, ao retornar, comunicou à Igreja a sua decisão; este fato abalou o coração dos irmãos, pois muitos o amavam e, portanto, não queriam ficar sem o seu amável pastor. Porém, zeloso como era pela obra que havia iniciado a custo de muitas aflições e lágrimas, Otto Nelson não saiu imediatamente de Alagoas, mas esperou que outro obreiro fosse enviado para substituí-lo; isto aconteceu em janeiro de 1930, quando chegou a Maceió o casal de missionários Algot e Rosa Svensson, vindos de Belém, capital do Pará. Após a chegada de Algot Svensson e sua esposa, Otto Nelson deixou Alagoas, em 15 de maio de 1930, com o objetivo de evangelizar os Estados da Bahia e Sergipe.
Depois de trabalhar nos Estados da Bahia e Sergipe, Otto Nelson (em 1938) sentiu a direção divina para ir fazer discípulos na Argentina. Em 1945, depois de cumprir sua missão naquele país, Deus o chamou para trabalhar no Rio de Janeiro. Sua missão ali terminou em 1948. Depois desta breve missão no Brasil, Deus o chamou para fazer discípulos no Uruguai, onde trabalhou até 1960. (SILVA, Laelson. História da Assembleia de Deus em Alagoas, pp.14-27,31,36-39,42. Maceió: Edição do Organizador, 2005). (Adaptado)
O exemplo de Otto Nelson. Segundo o pastor Isaías Nelson (bisneto do missionário Otto Nelson, que fundou a Igreja Assembleia de Deus nos Estados de Alagoas e Bahia, e também trabalhou nos Estados de Sergipe e Rio de Janeiro), a visão missionária é um dos grandes exemplos deixados pelo seu bisavô. O exemplo de Otto Nelson (que também trabalhou na Argentina e Uruguai) se reflete hoje nas seguintes pessoas: 1) As pobres almas imortais que ele ganhou para Deus (que já estão no paraíso). 2) Os crentes (inclusive obreiros) que imitam o seu exemplo. 3) Os seus descendentes (sua filha Ruth, que foi missionária na Espanha; 8 netos que são pastores e 36 bisnetos que fazem parte do ministério pastoral. Portanto, o brilhante exemplo de fé do missionário Otto Nelson certamente é a maior herança que ele deixou para a sua querida família.
quarta-feira, 18 de novembro de 2009
Biografia de José Satírio dos Santos
Satírio dos Santos. Numa pequena cidade do nordeste brasileiro (Marechal Deodoro, 28 km de Maceió, AL), nasceu José Satírio.
Desde muito pequeno, ele ouvia de sua mãe uma frase sempre repetida em algumas ocasiões: - José, você ainda será um servo de Deus! Antes da conversão de seu pai, ele e seus irmãos acompanhavam sua mãe aos cultos. Assim, as orações, os cânticos animados e as pregações inflamadas marcaram sua infância humilde, inclusive aquela frase de sua mãe: - José, você ainda será um servo de Deus!
Quando seu pai abraçou o Evangelho, sua mãe uniu-se a ele para interceder pelo menino que o Senhor escolhera para realizar uma grande obra. Deste modo, a Igreja evangélica tornou-se para ele um ambiente com o qual se familiarizou muito cedo. Foi nesse ambiente cristão (seu lar e a Igreja), que ele aprendeu que Deus é amor e está sempre ao lado dos crentes para ajudá-los e também responder as suas orações.
Quando morava em Maceió, em um humilde “chalé de palha” (ao lado de sua casa), residia o irmão Leonel Satírio, que era irmão de seu pai, Júlio Satírio. Ali mesmo, em um culto doméstico, seu tio Leonel teve a oportunidade de orar pelo garoto José Satírio, para Deus o abençoar. (O irmão Leonel foi um dos obreiros “pioneiros” da Igreja Assembleia de Deus em Maceió, que ajudaram a fundar as Igrejas que estão nos Bairros do Trapiche da Barra, Pontal da Barra e Barra Nova; durante cinco décadas pastoreou Igrejas em Maceió; hoje, com seus 88 anos de idade, é considerado como o “patriarca” da família dos “Satírios”, porque sempre procurou honrar o ministério que recebeu do Senhor).
Ainda pequeno, José Satírio começou a trabalhar para ajudar sua família. Com seu primo, George, empurrando um carrinho, saía para vender pães no subúrbio de Maceió. Uma de suas experiências mais marcantes aconteceu quando ainda era adolescente. Ele tinha apenas treze anos quando sua irmã Helena nasceu enferma; após alguns meses, seus pais observaram que ela era incapaz de movimentar as perninhas ou erguer os pequenos braços. Percebendo a total ausência de movimentos na criança, os médicos afirmaram a gravidade da situação: paralisia total. Assim, para tristeza geral da família, eles disseram que não podiam fazer nada.
Embora José Satírio ainda fosse adolescente, a notícia da paralisia de sua irmã o deixou abalado. Sentindo a dor de seus pais, orava sempre, pedindo a Deus que a curasse. Certo dia levantou-se da oração e foi até o quarto da criança. Não podendo resistir o impulso, a tomou nos braços e ajoelhou-se, clamando ao Senhor pelo milagre. Orou com fé e a devolveu ao berço. E o milagre aconteceu. A partir daquele momento ela começou a se movimentar normalmente. Agradecido, prometeu servir a Deus durante toda a sua vida.
Por causa da precária situação do povo maceioense, ele migrou com sua família para São Paulo. Depois de alguns anos, o jovem José Satírio retornou com sua família para Maceió. Porém, depois de algum tempo, a família migrou definitivamente para São Paulo. Foi ali, em uma cidade do interior de São Paulo (Tupã), que Deus o chamou para atender a necessidade do campo missionário.
Quando Deus o chamou para o campo missionário transcultural (em 1974), ele era evangelista da Igreja Assembleia de Deus em Tupã, Estado de São Paulo; morava no porão da Igreja sede com sua esposa, Nair, e três filhos (Sulamita, Eliseu e José). Durante o dia, cuidava da chácara do asilo mantido pela Igreja; à noite, auxiliava na Igreja sede ou ministrava ceia nas congregações. Também, pilotando uma velha perua de propriedade da Igreja, o jovem evangelista percorria a zona rural para dirigir cultos e dar assistência aos irmãos.
A experiência sobrenatural. A “experiência” que marcou sua chamada missionária “ocorreu num domingo após o culto: Estando em sua casa, naquela noite, nada prenunciava um grande acontecimento; tudo transcorria normal. Depois do culto, ele e Nair comentaram os fatos do dia, alguns pormenores domésticos e as expectativas para a semana que se iniciava. Depois brincou um pouco com os filhos e, quando todos já se haviam recolhido, ajoelhou-se ao lado da cama para o costumeiro período de oração.
Em determinado momento, uma estranha força o envolveu, fazendo-o sentir-se transportado a uma velocidade vertiginosa; sua viagem terminou no topo de uma montanha. Em seguida, encontrou-se no meio de uma rua, cortada mais adiante por uma avenida. No lugar em que as duas vias se cruzavam, avistou alguns homens agachados, como se estivessem desenhando na terra. Eram seis, e quando o viram levantaram-se; um deles o saudou, dizendo: - Bem-vindo à Colômbia, irmão José!
Este que o saudou, separou-se do grupo e caminhou em sua direção; depois de cumprimentá-lo de forma cordial, colocando as mãos em seus ombros, disse: - Fizeste bem em vir aqui. Há um grande trabalho que Ele quer realizar, e o fará através de ti. Em seguida, disse: - Venha, quero mostrar-te a cidade. Caminharam cerca de duzentos metros, até onde terminava a montanha; ali ele contemplou uma grande cidade que se estendia por todo o vale lá embaixo.
O desconhecido, com um gesto, o fez acompanhá-lo na descida da montanha. Seguiram lado a lado, sem dizer palavra, pelo lado norte da cidade. Avançaram até um bairro popular, por uma rua asfaltada. Havia casas apenas do lado direito; à sua esquerda, somente vegetação. Pararam em uma esquina, diante de uma casa cujo verde suave das paredes começava a descorar. Era cercada por um muro de aproximadamente um metro de altura. Nos fundos havia um portão e uma garagem. O homem entrou na casa como se ali fosse o lugar onde morava. Ele o seguiu até a sala de jantar. Sem qualquer preâmbulo, aquele homem sentou-se à mesa e indicou-lhe um lugar ao seu lado. Assim que se sentou, uma jovem veio servir-lhes café com leite, pão, queijo e manteiga. Em seguida, fizeram uma oração, dando graças a Deus pela refeição.
Apenas iniciara comer, viu desenrolar-se à sua frente uma espécie de pergaminho, surgido do nada. Grandes letras luminosas formavam a seguinte frase em espanhol: Dios, yo he visto una tierra feliz. - O senhor entende? Perguntou-lhe a jovem. Nem tudo, respondeu. Então ela traduziu para ele: ‘Deus, eu vi uma terra feliz!’ Naquele momento, percebeu que iniciava sua viagem de volta. Porém, antes que a visão terminasse, ainda a ouviu exclamar: Colômbia! Ao despertar e tomar consciência de que estava novamente em seu quarto, por um instante imaginou (um pouco envergonhado de si mesmo) ter adormecido durante a oração. Consultou o relógio e constatou que havia passado pouco mais de uma hora desde que se ajoelhara ao lado da cama. Então aconteceu o inesperado: A prova estava em sua própria boca!
No momento que as imagens da visão começaram a desaparecer, ele estava à mesa, mastigando um sanduíche de queijo. Ao despertar em seu quarto, a sensação de estar comendo permaneceu. No entanto, constatou arrepiado pelo temor, que não era apenas a sensação ou reflexo de algum tipo de condicionamento. Havia pão e queijo de verdade em sua boca! Não é possível! Pensou assustado. Cuspiu os fragmentos sobre a palma da mão, e não havia dúvidas. Meu Deus, o que é isto?! Exclamou.
O medo se apoderou dele. Porém, apesar de tudo, ainda pensou se de alguma forma seu recente interesse por assuntos missionários não lhe teria sugestionado e produzido alguma espécie de fenômeno alucinante (porque nos últimos dias lera bastante informação sobre a obra missionária); os temas missionários povoaram sua mente de maneira quase obsessiva. Portanto, seus pensamentos o deixavam confuso. Até que uma voz, proveniente de algum recôndito espiritual, lhe perguntou: ‘Creste no arrebatamento de Filipe’?
Lembrando-se das muitas vezes que lera o texto do livro de Atos, que mostra o evangelista Filipe sendo arrebatado pelo Espírito até Azoto (8.39,40), respondeu: Sim, creio. - ‘Eu sou o mesmo. O que transportou Filipe também transportou a ti’.
A voz não mais se manifestou. Cessaram também suas incertezas. Ele estava sendo recrutado por Deus para uma missão: anunciar o Evangelho na Colômbia, um país sobre o qual a única coisa que sabia era que estava situado na América do Sul.
Mais tarde, concluiu que o Espírito não o transportou apenas no espaço; ele também viajara no tempo, porque não é possível ser alta noite no Brasil e dia na Colômbia (a diferença de horário entre os dois países é de apenas duas horas). Além do mais, cada minuto de sua estada em solo colombiano foi real; não ocorreu como nos sonhos, onde os fatos e cenários se sucedem rapidamente (diz-se que os sonhos duram apenas poucos segundos).
Sua experiência, portanto, foi real, conforme ele próprio relata: ‘Andei cada passo de minha caminhada com o desconhecido, senti o atrito de meus pés contra o asfalto, vivi a sensação do clima, ouvi as vozes, senti o cheiro do mato à beira da estrada e o gosto da comida; e o tempo da experiência – pouco mais de uma hora – não cobre todos esses acontecimentos’. Sua certeza, portanto, era inabalável: ele havia recebido um chamado divino com a infalível marca do sobrenatural e uma prova mais que convincente. Deus o escolhera para conquistar almas na Colômbia.
Sua família. De volta ao mundo natural e consciente de ter sido convocado por Deus para uma tarefa em outro país, preocupou-se com sua família, embora cresse que a autêntica chamada de Deus a um obreiro estende-se também aos seus familiares: à esposa e aos filhos (os filhos capazes de tomar decisões podem seguir o seu rumo; porém, os menores são os acompanhantes naturais do casal).
Entretanto, José Satírio resolveu manter em segredo a chamada, confiando que o Senhor lhe daria coragem para comunicá-la no momento oportuno. Nesse período, que durou oito meses, procurou inteirar-se de tudo que dizia respeito à Colômbia; iniciou por um Atlas e depois leu tudo que encontrou sobre a sua cultura, economia e vida social. Também conversou com pessoas informadas sobre a cultura dos países latinos e escutou músicas em espanhol. Esse interesse tornou-se tão evidente que sua chamada já não era mais novidade para Nair. Aliás, ela lhe disse que ele lhe falara dormindo, as seguintes palavras: Nair, Deus diz: ‘Colômbia’.
Esse clima o fez ir assistir a uma conferência missionária na Igreja Assembleia de Deus de São Cristóvão (RJ). Quando lá chegou, viu alguns livros em exposição, entre eles o livro que narra à história das Assembleias de Deus no Brasil, e faz referências à vida dos primeiros missionários pentecostais, Daniel Berg e Gunnar Vingren. Isso o fez se sentir devedor (Rm 1.14,15). Assim, estando consciente da ‘necessidade mundial’ (At 16.9) e da ‘responsabilidade global’ que o Senhor faz pesar sobre a sua Igreja através da sua Palavra (Mt 28.19,20), creu que, como brasileiro, poderia contribuir para devolver ao mundo a semente que a nação brasileira recebera.
Pouco tempo depois, já percebendo que à hora da sua decisão estava próxima, viajou à São Paulo para tratar um assunto relativo à assistência social da Igreja. À noite, foi adorar o Senhor numa Igreja onde ninguém o conhecia. Quando ainda estavam no período de oração, Deus usou um irmão para falar com ele. O Senhor declarou conhecer os seus pensamentos, dizendo que ele buscava mais sinais; portanto, o repreendeu, dizendo que já lhe mostrara os sinais necessários. Em seguida, o consolou, prometendo que estaria com ele; também lhe disse que a casa visitada durante a visão o aguardava.
Não suportando mais o silêncio, decidiu que estava na hora de ter uma conversa com Nair, pois cinco meses se haviam passado desde à sua viagem sobrenatural a Colômbia. Assim, quando lhe disse que tinha uma coisa para contar, ela olhou sorrindo para ele e disse: Sei o que você quer me dizer. Ao ser desafiada por ele sobre o conteúdo da conversa, ela lhe disse: Você vai dizer que o nosso tempo aqui no Brasil terminou; Deus nos quer em outro país, onde as pessoas não falam a nossa língua. Não é isso? Ficou espantado: - Como soube? - O mesmo que revelou a você, revelou também a mim – foi sua resposta. Em seguida ela tomou sua mão e afirmou: José, eu e as crianças iremos contigo aonde Deus nos mandar. Ela também havia sonhado que viajara a um lugar distante, em um pequeno avião, e Deus lhe mostrara um campo todo verde. Isto lhe trouxe alívio. Porém, ainda faltava cumprir uma etapa: Ele deveria falar com a liderança da Igreja.
Assim, ele procurou o ministério da Igreja Assembleia de Deus em Tupã. Os pastores Teodoro Tofkam e Gídio Giunco (principais líderes desta Igreja) foram surpreendidos com a sua revelação. Argumentaram que ele tinha futuro, um ministério promissor na Igreja. Portanto, não havia motivo para ele se expor àquela situação. Na verdade, sua vida era relativamente tranquila naquela cidade. Morava em uma casa da Igreja, tinha uma boa assistência médica e social, salário e muitos amigos entre os obreiros. Embora estivesse há pouco tempo naquela cidade, todos eram unânimes em afirmar que sair naquele momento seria precipitação.
Ao perceber sua determinação, seu pastor resolveu falar com o pastor Cícero Canuto de Lima, que na época era o líder principal da Igreja Assembleia de Deus, na capital e no interior do Estado de São Paulo. Assim sendo, depois de alguns dias, o jovem evangelista acompanhou o pastor Teodoro a uma reunião de obreiros na grande São Paulo, e então conversaram. O pastor Teodoro expôs a situação: sua chamada e a determinação em partir, a revelação e a total impossibilidade de sustento por parte da Igreja em Tupã, que inclusive já tinha bastante compromisso (o asilo de velhinhos, dívidas e a própria manutenção do trabalho). - Não podemos assumir mais essa obrigação – disse por fim. - Nós tampouco – acrescentou o pastor Cícero. – Temos tido muitos problemas com missionários. Os que foram enviados para fora do país estão voltando.
Não obstante, declarou: - Mas, se o irmão Satírio tem uma chamada de Deus, nós não impediremos. Ele é ministro do Senhor; se atender à chamada, Deus o abençoará. - O que o senhor faz, irmão Satírio, além do trabalho na Igreja? Respondeu que trabalhava em construções e outros serviços. - O irmão tem ferramentas? - Sim, respondeu. - Então as leve, e o Senhor será contigo. Porém, antes de se retirar, explicou ao pastor Cícero que sua intenção era pregar o Evangelho. Ele não estava ali pedindo ajuda (esta era uma preocupação do pastor Teodoro). Se a Igreja não podia lhe sustentar, ele procuraria ganhar o seu pão da maneira que fosse possível.
Espiando a terra. Antes de partir definitivamente, foi visitar a Colômbia, de ônibus, cruzando a Bolívia. Ao retornar, não tinha mais dúvidas. Seu tempo no Brasil havia terminado, embora não soubesse ainda para qual cidade deveria ir, pois nada do que viu nessa viagem se parecia com o que Deus lhe mostrara.
A viagem para a Colômbia. Pouco tempo antes de partirem, uma amiga de Nair, que estava bastante preocupada, disse: Vocês vão mesmo para a Colômbia? Não conhecem nada lá! Vocês vão passar fome! Porém, sua esposa, já consciente de sua responsabilidade e armada com o argumento da fé, respondeu: Estamos na direção de Deus, portanto, Ele não vai deixar faltar nada. Assim, com esta confiança, iniciaram a viagem no dia 10 de fevereiro de 1975. Planejaram seguir pela Transamazônica (a estrada que cortava a selva), porque sairia mais barato. Seguiriam de Tupã até São Paulo, depois Cuiabá, Porto Velho, Humaitá e Manaus, de onde, sem saber como, rumariam finalmente para a Colômbia.
A Igreja e o pastor Teodoro foram generosos com ele; enquanto fazia os preparativos para a viagem, continuou recebendo o seu salário. No culto de despedida, a Igreja lhe entregou uma oferta; e assim, com muitas lágrimas partiram. Em São Paulo, o pastor Cícero os recebeu como missionários. Depois de pregar a Palavra de Deus na Igreja Assembleia de Deus do Belenzinho e receber uma oferta, a bênção do Senhor foi invocada sobre ele e sua família. Contudo, de alguma maneira, o missionário José Satírio sentiu que estava sozinho. A Igreja, que naqueles dias estava “escaldada” com as experiências negativas de alguns missionários, ‘não iria com ele’. Hoje, depois de três décadas, embora tenha havido algum progresso nessa área, lamentavelmente ainda se percebe sequelas dessa desconfiança.
Onde a liderança da Igreja errou. No tocante ao serviço missionário (Mt 28.19; Mc 16.15; Lc 24.47; At 1.8), o maior erro que a liderança brasileira cometeu, foi a perda da consciência missionária. Embora a Igreja Assembleia de Deus deste país seja fruto de um trabalho missionário, a liderança preocupou-se mais com o imenso campo nacional e, portanto, riscou a obra missionária da sua lista de prioridades. Como pensar em outros povos, se aqui há tanto trabalho? Esse pensamento prevaleceu na mente do povo; tal posicionamento parece justificável, porém é um grande equívoco. Quando a colheita é retida no celeiro por mais tempo que o necessário, corre-se o risco de perdê-la; e foi o que aconteceu: a consciência missionária estragou-se no celeiro do esquecimento. Até houve uma resposta, no entanto, irrisória, tímida, sem qualquer cuidado prévio.
Assim, a liderança da Igreja, empenhada nos trabalhos domésticos, esquivou-se por muito tempo da responsabilidade de olhar para fora da sua porta. Quando finalmente reagiu, lançou nos campos do mundo uma semente estragada. O resultado desse trabalho pode ser visto hoje em vários lugares: uma colheita inexpressiva. O insucesso da investida brasileira na obra missionária foi causado pelos seguintes posicionamentos equivocados: 1) Ignorou-se o idioma. Isto é, missionários foram enviados a países de línguas diferentes sem a devida preparação. Há um atraso muito grande na marcha do trabalho quando o missionário desconhece até mesmo as noções elementares do idioma do povo, sendo que a fala é o seu principal instrumento de comunicação. Lamentavelmente, muitos pensavam que se aprendia um idioma em poucos dias ou semanas. Graças a Deus, este erro já está sendo corrigido.
2) Ignorou-se a cultura. É comum aos missionários a tendência de manter em terra estranha os valores e padrões de comportamento do seu país. Assim, a tensão causada pelas ‘diferenças culturais’ contribuiu bastante para que muitos missionários brasileiros retornassem em poucos meses. Ainda hoje, lamentavelmente, há missionários brasileiros que procuram fazer dos trabalhos plantados em solo estrangeiro, extensões da Igreja brasileira (com seus costumes). Esquecem que Deus planejou a redenção para ‘toda criatura’, em qualquer época ou lugar; pregam o Evangelho como se ele não fosse Universal, e não pudesse se adaptar às culturas de todas as nações. Todas as culturas devem ser respeitadas.
3) Invocou-se muito à providência divina, porém faltou a responsabilidade do investimento. O missionário precisa ter o seu sustento garantido, como também recursos que lhe permitam desenvolver o trabalho de modo eficiente: veículo, verba para compra de terrenos e construções, aluguel, etc. A falta de apoio financeiro foi e tem sido a causa de muitos fracassos e atrasos no progresso do serviço missionário. 4) Os missionários eram esquecidos. Ou seja, eram despedidos com honra e grandes festas, porém, após sua partida eram esquecidos. A presença do pastor ou representantes da Igreja no campo missionário traz segurança ao obreiro e lhe ajuda a ganhar a confiança do povo. Porém, o obreiro que é esquecido, sente grande frustração; e isso só gera desconfiança no povo evangelizado. Lamentavelmente, esses e outros posicionamentos equivocados, além de sufocarem a chamada missionária de inúmeros obreiros, também bloqueiam as saídas de recursos para o campo missionário transcultural.
Continuação da viagem. Enquanto o missionário José Satírio viajava com sua família em solo brasileiro, não lhe faltou ajuda; além da generosidade das Igrejas de Tupã e Belenzinho, em Cuiabá ele também encontrou uma Igreja generosa. Ali, o pastor Sebastião Rodrigues de Souza o hospedou prazerosamente, ouviu seu testemunho e lhe concedeu oportunidade para pregar na Igreja sede e nas congregações. Enquanto esteve em Cuiabá, participando de vários cultos, o pastor Sebastião ordenou que recolhessem ofertas (sem que ele pedisse) para ajudá-lo na jornada missionária. Esse gesto generoso o fez sentir-se amado e agradecido pela maneira como foi tratado naquela cidade. Também permanece em sua mente a imagem bondosa da irmã Nilda, esposa do pastor Sebastião.
Depois de deixarem Cuiabá, passaram em Porto Velho e seguiram para Humaitá, cidade do Estado do Amazonas, plantada às margens do rio Madeira. No caminho, se defrontaram com o inverno, que na região Norte do Brasil significa chuva ininterrupta. A água invadia as estradas, e em muitos trechos só podiam prosseguir em balsas ou em pequenos barcos; enfrentaram, portanto, mais um perigo: o das toras que singravam perigosamente os caminhos dos rios. Às vezes só era possível continuar a pé, carregando as bagagens e as crianças nos braços. Vez por outra podiam contar com o relativo conforto de um ônibus e até com o impulso de uma pequena aeronave.
O calor parecia cozinhá-los lentamente, e a barulhenta orquestra de papagaios e pássaros menores não deixava seus ouvidos em paz. Do solo fértil brotavam as imensas seringueiras, em número bastante para impedir a luz do sol. Nessa caminhada obrigatória pelo terreno selvagem, se defrontaram com serpentes que rasteavam traiçoeiramente por entre as folhas secas do chão; também se depararam com jacarés à beira dos rios, olhando curiosos (ou famintos?!) para eles. As crianças ora riam divertidas com as novidades da selva, ora choravam assustadas com o desconhecido.
Às vezes eram obrigados a permanecer nos povoados até que o rio baixasse. Exaustos, dormiam em choças que lhes proporcionavam uma segurança duvidosa, acomodados em redes ou sobre esteiras que cobriam o chão (era o melhor que os irmãos e pastores podiam oferecer-lhes). Contudo, em plena floresta amazônica, encontraram o amor de Deus na vida dos irmãos; participaram dos seus cultos, e ainda puderam contar com sua generosidade, na forma de ofertas. Depois de muitos dias de viagem, chegaram a Humaitá; ali, um avião da FAB os levou até Manaus (estavam viajando há mais de um mês). Nessa cidade, capital do Estado do Amazonas, José Satírio procurou a Igreja e apresentou-se ao pastor Alcebíades Pereira. Ali, onde também foram tratados com muito amor, ficaram uma semana. Assim como em Humaitá, em Manaus o Senhor também abriu a porta para que um avião da FAB os levasse até Tabatinga (situada no extremo oeste do Estado do Amazonas, perto da fronteira com a Colômbia). Assim, a viagem durou apenas quatro horas de voo; um barco levaria dezoito dias para fazer essa viagem.
Ao sair do avião, Jose Satírio percebeu que um oficial olhava para eles fixamente. Não entendia por que, mas dava a impressão de reconhecê-los. Em seguida, ele se aproximou e disse: - São os missionários? Com a sua resposta afirmativa, ele os abraçou e disse: - A paz do Senhor. Seja bem-vindo, irmão! E começou a repetir, entre lágrimas, sondando o seu rosto: - É igualzinho, igualzinho! O que houve? Perguntou José Satírio. – Desculpe, disse ele. – Sou crente também; na noite passada, quando estava orando, o Senhor me deu uma revelação sobre a sua chegada: Ele me disse que vocês estariam muito cansados e que eu os fizesse descansar. A minha casa está preparada, quero que me acompanhem.
Então os dois se abraçaram e choraram. Em seguida, o oficial, que se chamava Antônio e era capitão, convocou alguns soldados que estavam nas proximidades e deu-lhes a tarefa de levar a bagagem para a sua casa, onde dois quartos muito bem arrumados os esperavam. Ali, no meio da selva, junto às fronteiras do Brasil, Peru e Colômbia, o Senhor lhes deu conforto. Ficaram quatro dias hospedados na casa do irmão Antônio, que era membro da Igreja Assembleia de Deus. Sobre o casal hospitaleiro, José Satírio diz: ‘impressionou-me a sensibilidade dele e de sua esposa, bem como o amor que nos dispensaram’.
Havia uma pequena Igreja ao lado do quartel do Exército (a maioria dos membros eram soldados); ali, como em outros lugares, o jovem missionário também teve a oportunidade de pregar a Palavra de Deus. O capitão Antônio entrou em contato com a base na Colômbia, falou com alguns graduados e conseguiu para a família um voo de Leticia (cidade colombiana, que faz fronteira com o Brasil) até Bogotá, capital da Colômbia. Assim, no dia 31 de março, cruzaram a fronteira.
Sua chegada a capital da Colômbia. Eram aproximadamente três horas da tarde quando chegaram a Bogotá. Logo que desembacaram, a secretária do Ministério das Relações Exteriores, lhe disse: O seu visto é de turista e tem validade de noventa dias; se ao final deste prazo o ministério negar a sua permanência, o senhor terá de sair do país. Se insistir, será considerado ilegal e poderá ser deportado.
Logo ele se apresentou ao conselho nacional das Assembleias de Deus, e foi muito bem recebido pelos pastores. Explicou-lhes o motivo de sua chegada ao país, e eles trataram logo de providenciar um lugar onde pudesse acomodá-los. Enquanto isso, ele deveria dar início à tramitação dos documentos necessários à sua permanência no país (tudo de acordo com a lei). Porém, missionários não eram desejados ali. Assim sendo, temendo, pensou na grande humilhação que poderia sofrer se voltasse ao Brasil (derrotado por um simples carimbo).
Ficaram hospedados na casa de um missionário brasileiro, Joanir dos Santos, que trabalhava em Bogotá. Ele cedera um quarto para eles, e foi onde se refugiaram. O fato de missionários não serem vistos com bons olhos pelo governo colombiano, também abateu a irmã Nair. Portanto, ficaram confusos. Então resolveram buscar resposta na oração, o recurso mais óbvio. Era aproximadamente uma hora da tarde quando começaram a orar; ao anoitecer, a irmã Nair levantou-se para atender as crianças. Porém, ele continuou orando noite adentro. Sua oração consistia em pedir a misericórdia de Deus e, se sua chamada fosse real, que Ele não o deixasse naquele momento.
Já passava da meia-noite; ele orava há quase doze horas e estava exausto. Bogotá é uma cidade fria da Cordilheira dos Andes, situada a dois mil seiscentos e quarenta e cinco metros de altitude. Não aguento mais, disse ele ao Senhor. Mais uma vez, portanto, reiterou seus pedidos e preparou-se para dormir; seu corpo tremia. Porém, quando ainda se ajeitava sob as cobertas aconchegantes, a porta do quarto se abriu. Pensou: quem poderia estar ali, naquela hora da noite. Havia um homem alto na porta, cuja cabeça quase tocava o batente da porta; vestia uma estranha roupa de cor clara, semelhante a uma túnica.
O estranho sorriu para ele. Quando percebeu, já estava sentado na beira da cama. Ele colocou a mão no seu peito e disse: ‘José, não temas. Descansa. Todas as coisas estão em minhas mãos. Quando amanhecer, irás para a cidade de Cúcuta e ali começarás minha obra’. Satírio pensou que aquele personagem era um ser celeste; entretanto, por alguma razão, achou que não era um anjo. Esse pensamento confirmou-se quando o personagem tirou a mão do seu peito; nesse momento, Jesus o fez entender que era Ele mesmo que estava ali.
Depois que o Senhor desapareceu, ele gritou: Jesus! A irmã Nair, despertando com o seu grito, perguntou: Que foi? Ele já estava de pé. Então, enquanto andava pelo quarto, disse: ‘Jesus esteve aqui e falou comigo! Não estamos sozinhos, Ele está conosco. As coisas vão bem’. Assim, lembrou-se do versículo que registra a presença do Senhor com os seus discípulos, para ajudá-los em sua missão (Mc 16.20). Sobre o lugar que iria trabalhar, quando saiu do Brasil, sabia apenas o nome do país; seu endereço final, isto é, o nome da cidade onde o Senhor queria lhe estabelecer, ainda era uma incógnita. Porém, a partir daquele momento, já tinha o nome da cidade, o seu endereço definitivo: Cúcuta. Assim, pôde dormir tranquilo.
No outro dia acordou revigorado. Conversou com o missionário Joanir e explicou aos pastores do Concílio que deveria ir para Cúcuta. Não tinha ideia de onde ficava tal cidade. É uma cidade que faz fronteira com a Venezuela - informaram. - Não sei se o irmão irá aguentar o calor. Contudo, se Deus o está enviando, é melhor que vá. Depois de passarem vinte dias em Bogotá, partiram para Cúcuta (capital do Departamento de Santander). Viajaram dezoito horas de ônibus, através da Cordilheira. Durante a viagem, estando ansioso para ver a cidade, José Satírio pensou: ‘Seria como na visão’?
Sua chegada a Cúcuta. Finalmente, chegaram ao destino. A entrada de Cúcuta, para quem vem de Bogotá, fica na parte ocidental. Na descida para a cidade, o ônibus faz uma volta e então é possível contemplá-la à mão esquerda. Assim, quando a viu, levou um choque. Ali, sobre um imenso vale, estendia-se a mesma cidade que Deus lhe mostrara no Brasil. Portanto, a visão se repetia: as casas, as ruas asfaltadas, as árvores, a montanha.
A estrada passava ao pé de um monte - o mesmo onde, de alguma forma, seus pés haviam pisado meses atrás! Era como se ele estivesse mergulhando na figura de um livro para também participar da história. Ao desembarcar em Cúcuta, ele trazia em sua carteira, apenas o suficiente para comprar algumas coisas para casa, pagar o primeiro mês de aluguel, adquirir madeira para os bancos da Igreja e sustentar a família durante duas semanas. Logo, quando gastasse o último dinheiro, sua garantia material estaria esgotada, porque não contava com o respaldo de nenhuma Igreja ou organização missionária.
Depois de deixar o terminal rodoviário, a família missionária saiu em busca de hospedagem. Tendo acomodado sua família em uma residência (uma espécie de pensão), praticamente no centro da cidade, próximo ao Parque Santander, o jovem missionário começou a andar pela cidade à procura de uma casa. Durante cinco dias trilhou as ruas e avenidas de Cúcuta. Embora não deixasse de pensar na providência de Deus, estava preocupado, porque logo não teria mais dinheiro para permanecer na residência, e também ainda não havia encontrado uma casa para morar.
No sexto dia, empreendeu mais uma caminhada, que prometia ser infrutífera. Porém, à tardinha, quando já estava prestes a encerrar sua busca, deparou-se com uma casa que lhe parecia familiar. Imaginou estar passando pelo mesmo lugar pela segunda vez. Era uma casa de esquina, pintada de verde. Assim, pôde constatar que já tinha visto aquele muro, inclusive a garagem, que estava situada nos fundos da casa. Ele estava diante da mesma casa que meses atrás visitara de forma sobrenatural. Também, a rua e a esquina eram as mesmas. A única diferença é que a casa estava fechada, sem vida. Alguém precisava lhe informar sobre ela.
Então, logo que avistou uma mulher sentada à porta da casa vizinha, aproximou-se e perguntou: Esta casa está vazia há muito tempo? Sim, há mais de um ano – respondeu a mulher. – Talvez tenham feito bruxaria, porque ninguém consegue viver nessa casa. Um tanto espantado, agradeceu. Voltou-se e, mais uma vez, contemplou aquela imagem familiar: o muro, a garagem, a tinta envelhecida. Naquele momento, uma voz, que ele também já conhecia, falou ao seu coração: - Esta é a tua casa. Está fechada, te esperando!
Caminhou até a porta, para ler o que estava escrito na placa que anunciava: Aluga-se. Conforme imaginava, era o endereço da imobiliária. No outro dia, foi ao escritório e perguntou pela casa do bairro Guaimaral; o homem que lhe atendeu, disse: O senhor está interessado? Diante da sua resposta afirmativa, lhe entregou alguns papéis para preencher que exigiam as seguintes informações que ele não podia fornecer: onde trabalhava, quanto recebia de salário, referências bancárias e comerciais. Porém, ele respondeu o que era possível: nome, endereço do hotel e propósito de querer fixar residência em Cúcuta.
Logo em seguida devolveu a papelada ao atendente, que ao observar, comentou: - Como o senhor pode preencher uma proposta de aluguel dessa maneira? Precisamos de informações completas! O referido homem deixou o balcão e encaminhou-se para outra seção, e José Satírio ficou no seu lugar, remoendo o suspense. Depois, ele voltou e perguntou: - O que o senhor faz?
- Sou missionário evangélico – respondeu. – Vim cumprir uma missão de Deus na cidade de Cúcuta.
- Ah! Espere um momento – disse ele. E voltou à sala onde entrara antes. Cinco minutos depois regressou com o semblante de quem tomara uma decisão. - Olhe, o que vou fazer não é possível a todo mundo. Para falar a verdade, é algo que nem se deve fazer. Mas vou alugar a casa para o senhor, confiando na sua palavra. Contente, já com as chaves da casa, dirigiu-se para a residência e disse a sua esposa: - Nair, alugamos a casa! Exultantes, trataram logo de fazer uma boa faxina. Assim, naquela mesma noite, foram para a nova morada. Porém, estando famintos, ele saiu para providenciar comida. Com o dinheiro escasso, contentaram-se com sardinhas, pães e uma coca-cola.
Na casa ainda despida de móveis, a noite prometia não ser das mais confortáveis. Sofreram com o calor; a temperatura em Cúcuta nunca se afasta muito dos trinta graus, e a casa abafada com telhas de fibra criava a sensação de estufa. Na bagagem trouxeram três redes, porém não tinham como pendurá-las. Então as estenderam no chão e dormiram por cima do tecido grosso e das roupas. O cansaço era tanto que os fez vencer o desconforto; e dormiram pesadamente. No outro dia, cuidaram de mobiliar a casa. Compraram três camas; uma de casal e duas de solteiro, e a mesa com seis cadeiras: tudo de qualidade questionável. Porém, isso era o máximo que os seus recursos escassos permitiam. Geladeira era um luxo impensável (só depois de um ano é que conseguiram comprar uma).
Momentos difíceis. Um fogão a gás também estava fora de questão. Assim, tiveram que buscar uma alternativa, e optaram por uma espécie de fogareiro a querosene, ou seja, um monstrinho de lata malcheiroso, cujo pavio costumava apagar com qualquer sopro de vento, e exalava um cheiro repugnante (o arroz muitas vezes ficava com gosto de querosene). No que se refere à escassez, talvez essa tenha sido a fase mais espinhosa para a irmã Nair em sua experiência missionária. Seus hábitos alimentares, portanto, sofreram drásticas mudanças. Os meninos (o menor, José, tinha dois anos) estavam acostumados com mamadeira no Brasil. Porém, agora não tinham dinheiro para comprar leite. O coração da irmã Nair doía quando o vendedor passava com sua carrocinha abarrotada de frutas apetitosas, e ela não podia comprar nada para as crianças que choravam, querendo frutas.
O desjejum consistia em café ralo e um pãozinho cortado em fatias; um pedaço para cada um. O cardápio do almoço era quase invariável: arroz, batatinha refogada e ovo mexido. Passaram alguns meses sem comer carne. Quando a fraqueza se tornava uma preocupação séria, providenciavam um reforço de mocotó. Às vezes, o único tempero da comida era o cheiro do querosene. Assim, durante vários meses foram alimentados com arroz e batata, preparados sem óleo e salgados apenas com as lágrimas inevitáveis. Para não causar uma impressão negativa, o jovem missionário não comunicava suas necessidades a ninguém. Desde os seus primeiros dias naquela cidade, o trabalho perseverante que ele fazia para o Senhor (evangelização de casa em casa, assistência a jovens viciados em drogas e a pessoas enfermas, etc.) não lhe permitiu se envolver com o trabalho secular para sustentar a família.
As primeiras conversões. Dez dias após sua chegada a Cúcuta, José Satírio reuniu sua família em um lugar perto de onde morava e realizou o primeiro culto. Começaram a cantar, e logo seus vizinhos ficaram sabendo que chegara ali uma família de evangélicos, que não falava espanhol e dizia coisas engraçadas. Embora falasse apenas duas ou três palavras em língua espanhola, o jovem missionário tentou pregar para o grupo de curiosos que estava ali. Alguns faziam sinais para os outros, como se estivessem perguntando se ele era louco. Contudo, o Senhor lhe deu graça para pregar, e o povo escutou a Palavra de Deus. Entre os ouvintes havia um que o olhava firmemente, prestando atenção ao que ele dizia. No final, quando ele fez o apelo, o homem ergueu o braço e aceitou Jesus. Este foi o primeiro convertido (Gilberto Serna), que inclusive tornou-se seu professor de espanhol e ajudou a construir os bancos para o pequeno salão que era improvisado na garagem, onde eram realizados os cultos (sua inauguração ocorreu no dia 05 de maio de 1975). Ele também o ajudou nas visitações e outros trabalhos que se iniciavam.
Sem perder tempo, o jovem missionário saia para evangelizar de casa em casa; levava seus folhetos e convidava o povo para os cultos já estabelecidos oficialmente na garagem de sua casa. Naqueles dias, o Senhor salvou umas oito pessoas, que fizeram uma entrega completa de si mesmas ao Senhor. Também, algumas pessoas já evangelizadas por outras Igrejas (que inclusive não estavam totalmente comprometidas com elas), começaram a frequentar regularmente as reuniões no pequeno salão. Um mês após o início do trabalho, José Satírio já podia contar com alguns irmãos para o trabalho de evangelização. Um grupo de oito, dez e até quinze irmãos o acompanhava sempre. Aos domingos à tarde, realizavam alguns cultos ao ar livre; paravam nas esquinas e cantavam, acompanhados apenas pelo chocalhar solitário do pandeiro da jovem Mecho. Após um ou dois hinos, ele pregava a mensagem, que tinha um único objetivo: conquistar almas para Cristo. Entretanto, sabendo que a vitória só seria obtida por obra e graça do Espírito Santo, ele dedicou-se então às orações noturnas (inclusive vigílias) e aos jejuns.
Conversões que impactaram o bairro. Embora José Satírio falasse mais português do que espanhol, um moço recém-casado (Guillermo Rangel, que vivera dominado pelas drogas), o ouviu pregando a Palavra, e não resistiu; com lágrimas entregou-se ao Senhor. Sua decisão fez sua mãe (Celina, que era inimiga dos evangélicos) lançar uma panela de água fervente sobre um grupo de jovens evangélicos que conversavam ao lado de sua casa. Porém, essa senhora, Celina, que inclusive era muito católica, não podendo mais ignorar a mudança na vida do filho, um dia (sete ou oito meses após a conversão do rapaz) apareceu chorando em um dos cultos matinais, e após pedir perdão ao Senhor e a Igreja, disse: quero hoje ser como o meu filho. Sua conversão, de alguma maneira, abalou o bairro, porque era ela quem recolhia as ofertas e donativos para a igreja Católica. Além de influente na paróquia, era uma líder política do bairro, que buscava recursos junto ao governo do município e do Estado.
Jairo Rodrigues também era um jovem viciado em drogas; quando se drogava saía pelas ruas para roubar e praticar o mal. Tinha os cabelos compridos (pela cintura), era magro e de aspecto assustador; vestia-se à moda dos hippies, às vezes descalço, às vezes calçado com botas ou tênis. Certo dia, em um dos cultos ao ar livre, ele aproximou-se do pequeno grupo e entregou sua vida ao Senhor. Depois, já liberto, acompanhou os irmãos para o culto da noite. No outro dia, embora não houvesse culto, voltou à congregação completamente diferente. Era difícil reconhecê-lo, porque estava com roupas limpas e sem os cabelos compridos. Esse foi mais um testemunho visível no bairro, para a família e os amigos. Assim, sua conversão contribuiu para que outras pessoas se entregassem ao Senhor. Ele conquistou para Cristo, os jovens Robison (de uma família importante do bairro, mas que era viciado) e Carlos Alberto Moros, que hoje é pastor em Barranquilla.
Chuva de bênçãos. Vários parentes desses jovens viciados se entregaram ao Senhor. Também, o fim daquela extrema escassez aconteceu da seguinte maneira: Cerca de sete meses após sua chegada a Cúcuta, em um domingo (era quase meio-dia), pouco depois do encerramento da escola dominical, a irmã Nair os chamou para almoçar. O cardápio era o costumeiro: arroz e batata, sem sal e sem óleo. Sulamita, sua filha mais velha, não conseguiu comer. Ela chorou e devolveu a comida ao prato. Isso foi o suficiente para a irmã Nair desabafar, dizendo: As crianças já não suportam mais. Estamos comendo um alimento que não tem sabor... E começou a chorar. Ao contemplar aquela triste e difícil situação, Satírio respondeu: Mas é o que Deus nos deu! Em seguida, os cinco começaram a chorar em torno da mesa. Era só o que lhes restava fazer.
Naquele momento ele pensou: Por que estou passando por tudo isso? Por que não sou digno de uma ajuda financeira? Também, lembrou-se das seguintes palavras desencorajadoras que ouvira em território brasileiro: - A fé termina quando começa a fome. - A Igreja não reconhece esse tipo de trabalho. - Você vai ficar esquecido. Assim, enquanto se travava uma batalha em seu interior, para que ele não confiasse no Senhor e murmurasse, fez a seguinte oração em espírito: ‘Guarda-me, Senhor, para que eu jamais perca a confiança em ti e seja um murmurador. Pois tu és o meu pastor, e nada me faltará’.
Depois, lembrou-se da oração que Jesus ensinou aos seus discípulos: ‘O pão nosso de cada dia dá-nos hoje’(Mt 6.11). Isso o fez compreender que aquele alimento (batatas insossas e arroz com sabor de querosene) era o pão que Deus lhes dava naquele momento. Assim sendo, pôde entender que o ‘pão de cada dia’ é aquilo que satisfaz ou ameniza a fome em determinado momento. Porém, ainda estavam à mesa quando ouviram batidas na porta. Pelo fato de está com os olhos inchados de chorar, ele foi primeiro lavar o rosto para depois abrir a porta. Ali estava um irmão da Igreja, Álvaro Jaimez, que disse o seguinte: Desculpe, o que eu quero é dizer que vocês me preocupam. Eu estava almoçando e senti uma profunda preocupação por vocês. E vim trazer isto aqui. E, sem mais palavras, foi embora.
Ele trouxera trezentos pesos (talvez o equivalente a dez dólares). Portanto, o Senhor ordenara a um de seus servos que fosse levar aquele dinheiro para eles. Imediatamente, Satírio foi ao mercado e comprou sal, óleo e um pedaçinho de carne, para que a irmã Nair pudesse preparar o almoço. Embora já fosse um pouco tarde, naquele dia almoçaram bem. Daquele dia em diante, nunca mais faltou pão no seu lar. No tocante ao dinheiro que entrava nos cultos que eram realizados na pequena garagem, no primeiro mês de trabalho (entre os dias 05 de maio e 05 de junho) já podiam contar com trezentos e dezoito pesos, cerca de dez dólares (o aluguel que estava prestes a vencer era mil e trezentos pesos).
Quanto ao transporte, apesar de estarem na cidade, os caminhos eram difíceis. Sem dinheiro para pagar a passagem era preciso caminhar com a irmã Nair e as crianças, cerca de quarenta minutos até o ponto de pregação no Bairro San Mateo, por exemplo. Entretanto, depois que o pequeno rebanho recebeu o ensino sobre a responsabilidade e as bênçãos que envolvem a contribuição, um novo convertido chamado Guillermo Rangel, na semana que vencia o aluguel, trouxe a sua contribuição para a Casa do Senhor, exatamente mil e trezentos pesos (o valor do aluguel). Assim, pouco a pouco, outros irmãos uniram-se a ele para também servirem ao Senhor com os seus dízimos e ofertas.
A gloriosa presença durante a perseguição. Antes de subir ao céu, Jesus disse que estaria sempre com os seus discípulos (Mt 28.20b). Essa gloriosa presença jamais deixou de acompanhar o ministério de José Satírio. Entre as várias perseguições que ele enfrentou na Colômbia, vejamos apenas a seguinte: Em uma tarde de sábado, enquanto ele voltava de Ragonvalia, uma multidão com mais de trinta homens armados com enxadas, paus e facões, obstruiu o seu caminho. Três pessoas estavam com ele no carro (um obreiro chamado Contreras e duas professoras de escola dominical). Quando parou o Volkswagen, um homem armado de revólver aproximou-se dele e disse: Tenho ordem para matá-lo. Por quê? O que foi que eu fiz? Perguntou o missionário. - Não queremos essa praga aqui, disse ele. A praga referia-se aos crentes.
O homem repetiu a ameaça, dizendo: Tenho ordem para matá-lo, e vou matá-lo. Não tenho medo da morte – respondeu José Satírio. – Venho aqui pregar o Evangelho, trazer boas novas de salvação a vocês, a este povo que está aqui. A irmã Blanca, que nos empresta a casa, é uma pessoa conhecida na cidade. - Ela traiu a fé, a religião de seus pais – vociferou o homem. – E o sacerdote mandou fazer esse trabalho, e vou fazer. Então ele apontou o revólver para José Satírio. Porém, ele perguntou: - Que religião é essa, que manda matar o próximo? O mandamento do Senhor é: ‘Não matarás’. Apesar do frio característico de um lugar de altitude superior a dois mil e quinhentos metros, o homem começou a suar. Vendo que fraquejava, continuou: - Saiba de mais uma coisa: é onde se derrama sangue de crente que nasce as maiores Igrejas. Depois de ouvir essas palavras, o homem abaixou o revólver, recuou um passo e deu um chute na porta do carro. Então, Satírio começou a conduzir o carro vagarosamente. Enquanto abriam caminho, os homens enfurecidos começaram a atirar paus e pedras no carro. Porém, nada os atingiu. Hoje há uma congregação em Ragonvalia, e alguns dos homens que participaram do ataque são membros da Igreja.
A primeira oferta recebida do Brasil. O período da escassez chegara ao fim, exatamente quando eles já estavam sem sapatos, com as roupas gastas e a comida ainda mais racionada. Naquele momento, o Senhor mobilizou a Igreja Assembleia de Deus em Matão (Estado de São Paulo), através do pastor Manoel Tributino, para enviar-lhes uma oferta. A chegada da primeira oferta do Brasil foi motivo de muita alegria. Portanto, sem pensar duas vezes, foram depressa ao mercado e compraram comida, roupas e calçados. Um dos meninos, que não se lembrava de tanta fartura, disse a irmã Nair: Mamãe, já estamos ficando ricos! Sim, filho, sim! – Disse ela. A generosidade da Igreja de Matão foi uma bênção para o missionário Satírio e sua família. Com esse gesto, os irmãos de Matão e seu pastor exemplar, Manoel Tributino, abriram uma porta para que outras Igrejas também cooperassem com essa importantíssima obra. ‘Gostaria de abrir um parêntesis aqui para agradecer ao pastor Manoel Tributino e a Igreja de Matão, pelo seu apoio durante o tempo que trabalhamos em Concordia (Provincia de Entre Ríos, Argentina). Durante quase três anos, os irmãos de Matão jamais deixaram de enviar mensalmente para nós, cem dólares. Que o Senhor lhes recompense com ricas bênçãos espirituais’!
A visita dos pastores brasileiros. Dois anos depois de estarem em Cúcuta, os pastores Manoel Tributino e José de Oliveira foram enviados pela Igreja Assembleia de Deus em Matão, com o propósito de conhecer o recém-fundado trabalho em Cúcuta e confirmar a fé dos irmãos. O apoio desses pastores ajudou o novo trabalho, inclusive desfez quaisquer dúvidas que porventura pudessem existir sobre o seu ministério. Assim, essa visita provou que o missionário Satírio não era um aventureiro ou oportunista, mas um servo de Deus interessado unicamente em espalhar o Evangelho de Cristo. As boas novas levadas ao Brasil por esses dois pastores, devolveram a confiança aos líderes da Igreja Assembleia de Deus do ministério do Belém (SP). No ano seguinte, o pastor Manoel Bezerra, que na época dirigia o setor de São Miguel Paulista (zona leste de São Paulo), participou da primeira escola bíblica do recém-fundado trabalho missionário em Cúcuta. Essa comunhão contribuiu para que o missionário Satírio fosse convidado a relatar suas experiências aos obreiros paulistas em uma escola bíblica no Belenzinho. Seu testemunho ajudou a ampliar a visão missionária de muitos obreiros paulistas.
Um trabalho exemplar. Os primeiros três anos foram de trabalho intenso. O resultado desse trabalho, é claro, foi o crescimento da Igreja. Portanto, já era hora de procurar um local maior para a Igreja. No seu livro (Missão em cúcuta), Satírio relata detalhadamente como o Senhor abriu a porta para eles comprarem uma área do tamanho de uma quadra inteira, no centro de um bonito Bairro de Cúcuta, Los Pinos. Ali, milagrosamente foi construído um lindo templo. Hoje, na grande área, além do templo (com capacidade para abrigar milhares de pessoas sentadas), funciona também o Colégio Acadêmico Ebenézer, uma livraria evangélica, uma lanchonete e uma loja que vende roupas. Em janeiro de 2004, quando estive em Cúcuta, a Igreja dirigida pelo missionário José Satírio nessa cidade, já contava com mais de vinte mil crentes. Nessa ocasião estive em um lindo restaurante da Igreja (com área de lazer), no centro da cidade. Além desse lindo restaurante, a Igreja possui cinco Rádios: duas em Cúcuta (a Rádio Guaimaral e a Rádio Tasajero) e três Fms – uma na cidade de Chinacota, no povoado de La Donjuana, outra na cidade de Montéria e a terceira em Sincelejo.
Em todo o país (Colômbia), o ministério fundado pelo missionário José Satírio já conta com mais de 60 mil crentes. Além da Igreja que está no Bairro de Los Pinos e várias congregações espalhadas pelos Bairros de Cúcuta, esse ministério também fundou várias Igrejas em outras cidades do país e fora dele. Nos anos 90 fundamos duas Igrejas na Venezuela (em San Cristobal, capital do Estado Tachira, e em Tariba; essas duas cidades estão situadas a menos de 60 km de Cúcuta). Quando fomos para Maceió (em abril de 1998) essas duas Igrejas ficaram sob a responsabilidade do ministério de Cúcuta (nesse tempo, o trabalho contava com poucos crentes). Depois de quatro anos, quando estive em San Cristobal, em 2002, o missionário Eliseu (filho do missionário José Satírio), que na época dirigia o trabalho, me disse que essa obra já contava com mais de 1000 crentes.
A chama missionária que o Senhor acendeu no coração de José Sarírio, quando ele ainda se encontrava em solo brasileiro, jamais se apagou. Portanto, o avivamento que o Espírito Santo iniciou em Cúcuta, por seu intermédio, se estendeu por toda a cidade e já se encontra em muitas partes da Colômbia e em outros países. Os talentos que o Senhor lhe confiou foram multiplicados. Você gostaria de imitar a fé desse valoroso servo de Deus, que continua conquistando almas para o Reino de Deus? Deus deseja levantar um exército de soldados valentes (como José Satírio), neste início de século, para atender o clamor das pobres almas que estão morrendo sem a salvação (At 16.9). Peçamos ao Senhor obreiros para o campo missionário, que está deserto (8.26).
A maior parte do material usado nesta pequena biografia é um resumo das páginas (15-17, 20-22, 25, 26, 30-32, 36-42, 48-55, 75-83, 88, 98, 104-108, 130, 146, 147, 158, 160, 207, 208) do livro “Missão em Cúcuta”. (Adaptado)
Desde muito pequeno, ele ouvia de sua mãe uma frase sempre repetida em algumas ocasiões: - José, você ainda será um servo de Deus! Antes da conversão de seu pai, ele e seus irmãos acompanhavam sua mãe aos cultos. Assim, as orações, os cânticos animados e as pregações inflamadas marcaram sua infância humilde, inclusive aquela frase de sua mãe: - José, você ainda será um servo de Deus!
Quando seu pai abraçou o Evangelho, sua mãe uniu-se a ele para interceder pelo menino que o Senhor escolhera para realizar uma grande obra. Deste modo, a Igreja evangélica tornou-se para ele um ambiente com o qual se familiarizou muito cedo. Foi nesse ambiente cristão (seu lar e a Igreja), que ele aprendeu que Deus é amor e está sempre ao lado dos crentes para ajudá-los e também responder as suas orações.
Quando morava em Maceió, em um humilde “chalé de palha” (ao lado de sua casa), residia o irmão Leonel Satírio, que era irmão de seu pai, Júlio Satírio. Ali mesmo, em um culto doméstico, seu tio Leonel teve a oportunidade de orar pelo garoto José Satírio, para Deus o abençoar. (O irmão Leonel foi um dos obreiros “pioneiros” da Igreja Assembleia de Deus em Maceió, que ajudaram a fundar as Igrejas que estão nos Bairros do Trapiche da Barra, Pontal da Barra e Barra Nova; durante cinco décadas pastoreou Igrejas em Maceió; hoje, com seus 88 anos de idade, é considerado como o “patriarca” da família dos “Satírios”, porque sempre procurou honrar o ministério que recebeu do Senhor).
Ainda pequeno, José Satírio começou a trabalhar para ajudar sua família. Com seu primo, George, empurrando um carrinho, saía para vender pães no subúrbio de Maceió. Uma de suas experiências mais marcantes aconteceu quando ainda era adolescente. Ele tinha apenas treze anos quando sua irmã Helena nasceu enferma; após alguns meses, seus pais observaram que ela era incapaz de movimentar as perninhas ou erguer os pequenos braços. Percebendo a total ausência de movimentos na criança, os médicos afirmaram a gravidade da situação: paralisia total. Assim, para tristeza geral da família, eles disseram que não podiam fazer nada.
Embora José Satírio ainda fosse adolescente, a notícia da paralisia de sua irmã o deixou abalado. Sentindo a dor de seus pais, orava sempre, pedindo a Deus que a curasse. Certo dia levantou-se da oração e foi até o quarto da criança. Não podendo resistir o impulso, a tomou nos braços e ajoelhou-se, clamando ao Senhor pelo milagre. Orou com fé e a devolveu ao berço. E o milagre aconteceu. A partir daquele momento ela começou a se movimentar normalmente. Agradecido, prometeu servir a Deus durante toda a sua vida.
Por causa da precária situação do povo maceioense, ele migrou com sua família para São Paulo. Depois de alguns anos, o jovem José Satírio retornou com sua família para Maceió. Porém, depois de algum tempo, a família migrou definitivamente para São Paulo. Foi ali, em uma cidade do interior de São Paulo (Tupã), que Deus o chamou para atender a necessidade do campo missionário.
Quando Deus o chamou para o campo missionário transcultural (em 1974), ele era evangelista da Igreja Assembleia de Deus em Tupã, Estado de São Paulo; morava no porão da Igreja sede com sua esposa, Nair, e três filhos (Sulamita, Eliseu e José). Durante o dia, cuidava da chácara do asilo mantido pela Igreja; à noite, auxiliava na Igreja sede ou ministrava ceia nas congregações. Também, pilotando uma velha perua de propriedade da Igreja, o jovem evangelista percorria a zona rural para dirigir cultos e dar assistência aos irmãos.
A experiência sobrenatural. A “experiência” que marcou sua chamada missionária “ocorreu num domingo após o culto: Estando em sua casa, naquela noite, nada prenunciava um grande acontecimento; tudo transcorria normal. Depois do culto, ele e Nair comentaram os fatos do dia, alguns pormenores domésticos e as expectativas para a semana que se iniciava. Depois brincou um pouco com os filhos e, quando todos já se haviam recolhido, ajoelhou-se ao lado da cama para o costumeiro período de oração.
Em determinado momento, uma estranha força o envolveu, fazendo-o sentir-se transportado a uma velocidade vertiginosa; sua viagem terminou no topo de uma montanha. Em seguida, encontrou-se no meio de uma rua, cortada mais adiante por uma avenida. No lugar em que as duas vias se cruzavam, avistou alguns homens agachados, como se estivessem desenhando na terra. Eram seis, e quando o viram levantaram-se; um deles o saudou, dizendo: - Bem-vindo à Colômbia, irmão José!
Este que o saudou, separou-se do grupo e caminhou em sua direção; depois de cumprimentá-lo de forma cordial, colocando as mãos em seus ombros, disse: - Fizeste bem em vir aqui. Há um grande trabalho que Ele quer realizar, e o fará através de ti. Em seguida, disse: - Venha, quero mostrar-te a cidade. Caminharam cerca de duzentos metros, até onde terminava a montanha; ali ele contemplou uma grande cidade que se estendia por todo o vale lá embaixo.
O desconhecido, com um gesto, o fez acompanhá-lo na descida da montanha. Seguiram lado a lado, sem dizer palavra, pelo lado norte da cidade. Avançaram até um bairro popular, por uma rua asfaltada. Havia casas apenas do lado direito; à sua esquerda, somente vegetação. Pararam em uma esquina, diante de uma casa cujo verde suave das paredes começava a descorar. Era cercada por um muro de aproximadamente um metro de altura. Nos fundos havia um portão e uma garagem. O homem entrou na casa como se ali fosse o lugar onde morava. Ele o seguiu até a sala de jantar. Sem qualquer preâmbulo, aquele homem sentou-se à mesa e indicou-lhe um lugar ao seu lado. Assim que se sentou, uma jovem veio servir-lhes café com leite, pão, queijo e manteiga. Em seguida, fizeram uma oração, dando graças a Deus pela refeição.
Apenas iniciara comer, viu desenrolar-se à sua frente uma espécie de pergaminho, surgido do nada. Grandes letras luminosas formavam a seguinte frase em espanhol: Dios, yo he visto una tierra feliz. - O senhor entende? Perguntou-lhe a jovem. Nem tudo, respondeu. Então ela traduziu para ele: ‘Deus, eu vi uma terra feliz!’ Naquele momento, percebeu que iniciava sua viagem de volta. Porém, antes que a visão terminasse, ainda a ouviu exclamar: Colômbia! Ao despertar e tomar consciência de que estava novamente em seu quarto, por um instante imaginou (um pouco envergonhado de si mesmo) ter adormecido durante a oração. Consultou o relógio e constatou que havia passado pouco mais de uma hora desde que se ajoelhara ao lado da cama. Então aconteceu o inesperado: A prova estava em sua própria boca!
No momento que as imagens da visão começaram a desaparecer, ele estava à mesa, mastigando um sanduíche de queijo. Ao despertar em seu quarto, a sensação de estar comendo permaneceu. No entanto, constatou arrepiado pelo temor, que não era apenas a sensação ou reflexo de algum tipo de condicionamento. Havia pão e queijo de verdade em sua boca! Não é possível! Pensou assustado. Cuspiu os fragmentos sobre a palma da mão, e não havia dúvidas. Meu Deus, o que é isto?! Exclamou.
O medo se apoderou dele. Porém, apesar de tudo, ainda pensou se de alguma forma seu recente interesse por assuntos missionários não lhe teria sugestionado e produzido alguma espécie de fenômeno alucinante (porque nos últimos dias lera bastante informação sobre a obra missionária); os temas missionários povoaram sua mente de maneira quase obsessiva. Portanto, seus pensamentos o deixavam confuso. Até que uma voz, proveniente de algum recôndito espiritual, lhe perguntou: ‘Creste no arrebatamento de Filipe’?
Lembrando-se das muitas vezes que lera o texto do livro de Atos, que mostra o evangelista Filipe sendo arrebatado pelo Espírito até Azoto (8.39,40), respondeu: Sim, creio. - ‘Eu sou o mesmo. O que transportou Filipe também transportou a ti’.
A voz não mais se manifestou. Cessaram também suas incertezas. Ele estava sendo recrutado por Deus para uma missão: anunciar o Evangelho na Colômbia, um país sobre o qual a única coisa que sabia era que estava situado na América do Sul.
Mais tarde, concluiu que o Espírito não o transportou apenas no espaço; ele também viajara no tempo, porque não é possível ser alta noite no Brasil e dia na Colômbia (a diferença de horário entre os dois países é de apenas duas horas). Além do mais, cada minuto de sua estada em solo colombiano foi real; não ocorreu como nos sonhos, onde os fatos e cenários se sucedem rapidamente (diz-se que os sonhos duram apenas poucos segundos).
Sua experiência, portanto, foi real, conforme ele próprio relata: ‘Andei cada passo de minha caminhada com o desconhecido, senti o atrito de meus pés contra o asfalto, vivi a sensação do clima, ouvi as vozes, senti o cheiro do mato à beira da estrada e o gosto da comida; e o tempo da experiência – pouco mais de uma hora – não cobre todos esses acontecimentos’. Sua certeza, portanto, era inabalável: ele havia recebido um chamado divino com a infalível marca do sobrenatural e uma prova mais que convincente. Deus o escolhera para conquistar almas na Colômbia.
Sua família. De volta ao mundo natural e consciente de ter sido convocado por Deus para uma tarefa em outro país, preocupou-se com sua família, embora cresse que a autêntica chamada de Deus a um obreiro estende-se também aos seus familiares: à esposa e aos filhos (os filhos capazes de tomar decisões podem seguir o seu rumo; porém, os menores são os acompanhantes naturais do casal).
Entretanto, José Satírio resolveu manter em segredo a chamada, confiando que o Senhor lhe daria coragem para comunicá-la no momento oportuno. Nesse período, que durou oito meses, procurou inteirar-se de tudo que dizia respeito à Colômbia; iniciou por um Atlas e depois leu tudo que encontrou sobre a sua cultura, economia e vida social. Também conversou com pessoas informadas sobre a cultura dos países latinos e escutou músicas em espanhol. Esse interesse tornou-se tão evidente que sua chamada já não era mais novidade para Nair. Aliás, ela lhe disse que ele lhe falara dormindo, as seguintes palavras: Nair, Deus diz: ‘Colômbia’.
Esse clima o fez ir assistir a uma conferência missionária na Igreja Assembleia de Deus de São Cristóvão (RJ). Quando lá chegou, viu alguns livros em exposição, entre eles o livro que narra à história das Assembleias de Deus no Brasil, e faz referências à vida dos primeiros missionários pentecostais, Daniel Berg e Gunnar Vingren. Isso o fez se sentir devedor (Rm 1.14,15). Assim, estando consciente da ‘necessidade mundial’ (At 16.9) e da ‘responsabilidade global’ que o Senhor faz pesar sobre a sua Igreja através da sua Palavra (Mt 28.19,20), creu que, como brasileiro, poderia contribuir para devolver ao mundo a semente que a nação brasileira recebera.
Pouco tempo depois, já percebendo que à hora da sua decisão estava próxima, viajou à São Paulo para tratar um assunto relativo à assistência social da Igreja. À noite, foi adorar o Senhor numa Igreja onde ninguém o conhecia. Quando ainda estavam no período de oração, Deus usou um irmão para falar com ele. O Senhor declarou conhecer os seus pensamentos, dizendo que ele buscava mais sinais; portanto, o repreendeu, dizendo que já lhe mostrara os sinais necessários. Em seguida, o consolou, prometendo que estaria com ele; também lhe disse que a casa visitada durante a visão o aguardava.
Não suportando mais o silêncio, decidiu que estava na hora de ter uma conversa com Nair, pois cinco meses se haviam passado desde à sua viagem sobrenatural a Colômbia. Assim, quando lhe disse que tinha uma coisa para contar, ela olhou sorrindo para ele e disse: Sei o que você quer me dizer. Ao ser desafiada por ele sobre o conteúdo da conversa, ela lhe disse: Você vai dizer que o nosso tempo aqui no Brasil terminou; Deus nos quer em outro país, onde as pessoas não falam a nossa língua. Não é isso? Ficou espantado: - Como soube? - O mesmo que revelou a você, revelou também a mim – foi sua resposta. Em seguida ela tomou sua mão e afirmou: José, eu e as crianças iremos contigo aonde Deus nos mandar. Ela também havia sonhado que viajara a um lugar distante, em um pequeno avião, e Deus lhe mostrara um campo todo verde. Isto lhe trouxe alívio. Porém, ainda faltava cumprir uma etapa: Ele deveria falar com a liderança da Igreja.
Assim, ele procurou o ministério da Igreja Assembleia de Deus em Tupã. Os pastores Teodoro Tofkam e Gídio Giunco (principais líderes desta Igreja) foram surpreendidos com a sua revelação. Argumentaram que ele tinha futuro, um ministério promissor na Igreja. Portanto, não havia motivo para ele se expor àquela situação. Na verdade, sua vida era relativamente tranquila naquela cidade. Morava em uma casa da Igreja, tinha uma boa assistência médica e social, salário e muitos amigos entre os obreiros. Embora estivesse há pouco tempo naquela cidade, todos eram unânimes em afirmar que sair naquele momento seria precipitação.
Ao perceber sua determinação, seu pastor resolveu falar com o pastor Cícero Canuto de Lima, que na época era o líder principal da Igreja Assembleia de Deus, na capital e no interior do Estado de São Paulo. Assim sendo, depois de alguns dias, o jovem evangelista acompanhou o pastor Teodoro a uma reunião de obreiros na grande São Paulo, e então conversaram. O pastor Teodoro expôs a situação: sua chamada e a determinação em partir, a revelação e a total impossibilidade de sustento por parte da Igreja em Tupã, que inclusive já tinha bastante compromisso (o asilo de velhinhos, dívidas e a própria manutenção do trabalho). - Não podemos assumir mais essa obrigação – disse por fim. - Nós tampouco – acrescentou o pastor Cícero. – Temos tido muitos problemas com missionários. Os que foram enviados para fora do país estão voltando.
Não obstante, declarou: - Mas, se o irmão Satírio tem uma chamada de Deus, nós não impediremos. Ele é ministro do Senhor; se atender à chamada, Deus o abençoará. - O que o senhor faz, irmão Satírio, além do trabalho na Igreja? Respondeu que trabalhava em construções e outros serviços. - O irmão tem ferramentas? - Sim, respondeu. - Então as leve, e o Senhor será contigo. Porém, antes de se retirar, explicou ao pastor Cícero que sua intenção era pregar o Evangelho. Ele não estava ali pedindo ajuda (esta era uma preocupação do pastor Teodoro). Se a Igreja não podia lhe sustentar, ele procuraria ganhar o seu pão da maneira que fosse possível.
Espiando a terra. Antes de partir definitivamente, foi visitar a Colômbia, de ônibus, cruzando a Bolívia. Ao retornar, não tinha mais dúvidas. Seu tempo no Brasil havia terminado, embora não soubesse ainda para qual cidade deveria ir, pois nada do que viu nessa viagem se parecia com o que Deus lhe mostrara.
A viagem para a Colômbia. Pouco tempo antes de partirem, uma amiga de Nair, que estava bastante preocupada, disse: Vocês vão mesmo para a Colômbia? Não conhecem nada lá! Vocês vão passar fome! Porém, sua esposa, já consciente de sua responsabilidade e armada com o argumento da fé, respondeu: Estamos na direção de Deus, portanto, Ele não vai deixar faltar nada. Assim, com esta confiança, iniciaram a viagem no dia 10 de fevereiro de 1975. Planejaram seguir pela Transamazônica (a estrada que cortava a selva), porque sairia mais barato. Seguiriam de Tupã até São Paulo, depois Cuiabá, Porto Velho, Humaitá e Manaus, de onde, sem saber como, rumariam finalmente para a Colômbia.
A Igreja e o pastor Teodoro foram generosos com ele; enquanto fazia os preparativos para a viagem, continuou recebendo o seu salário. No culto de despedida, a Igreja lhe entregou uma oferta; e assim, com muitas lágrimas partiram. Em São Paulo, o pastor Cícero os recebeu como missionários. Depois de pregar a Palavra de Deus na Igreja Assembleia de Deus do Belenzinho e receber uma oferta, a bênção do Senhor foi invocada sobre ele e sua família. Contudo, de alguma maneira, o missionário José Satírio sentiu que estava sozinho. A Igreja, que naqueles dias estava “escaldada” com as experiências negativas de alguns missionários, ‘não iria com ele’. Hoje, depois de três décadas, embora tenha havido algum progresso nessa área, lamentavelmente ainda se percebe sequelas dessa desconfiança.
Onde a liderança da Igreja errou. No tocante ao serviço missionário (Mt 28.19; Mc 16.15; Lc 24.47; At 1.8), o maior erro que a liderança brasileira cometeu, foi a perda da consciência missionária. Embora a Igreja Assembleia de Deus deste país seja fruto de um trabalho missionário, a liderança preocupou-se mais com o imenso campo nacional e, portanto, riscou a obra missionária da sua lista de prioridades. Como pensar em outros povos, se aqui há tanto trabalho? Esse pensamento prevaleceu na mente do povo; tal posicionamento parece justificável, porém é um grande equívoco. Quando a colheita é retida no celeiro por mais tempo que o necessário, corre-se o risco de perdê-la; e foi o que aconteceu: a consciência missionária estragou-se no celeiro do esquecimento. Até houve uma resposta, no entanto, irrisória, tímida, sem qualquer cuidado prévio.
Assim, a liderança da Igreja, empenhada nos trabalhos domésticos, esquivou-se por muito tempo da responsabilidade de olhar para fora da sua porta. Quando finalmente reagiu, lançou nos campos do mundo uma semente estragada. O resultado desse trabalho pode ser visto hoje em vários lugares: uma colheita inexpressiva. O insucesso da investida brasileira na obra missionária foi causado pelos seguintes posicionamentos equivocados: 1) Ignorou-se o idioma. Isto é, missionários foram enviados a países de línguas diferentes sem a devida preparação. Há um atraso muito grande na marcha do trabalho quando o missionário desconhece até mesmo as noções elementares do idioma do povo, sendo que a fala é o seu principal instrumento de comunicação. Lamentavelmente, muitos pensavam que se aprendia um idioma em poucos dias ou semanas. Graças a Deus, este erro já está sendo corrigido.
2) Ignorou-se a cultura. É comum aos missionários a tendência de manter em terra estranha os valores e padrões de comportamento do seu país. Assim, a tensão causada pelas ‘diferenças culturais’ contribuiu bastante para que muitos missionários brasileiros retornassem em poucos meses. Ainda hoje, lamentavelmente, há missionários brasileiros que procuram fazer dos trabalhos plantados em solo estrangeiro, extensões da Igreja brasileira (com seus costumes). Esquecem que Deus planejou a redenção para ‘toda criatura’, em qualquer época ou lugar; pregam o Evangelho como se ele não fosse Universal, e não pudesse se adaptar às culturas de todas as nações. Todas as culturas devem ser respeitadas.
3) Invocou-se muito à providência divina, porém faltou a responsabilidade do investimento. O missionário precisa ter o seu sustento garantido, como também recursos que lhe permitam desenvolver o trabalho de modo eficiente: veículo, verba para compra de terrenos e construções, aluguel, etc. A falta de apoio financeiro foi e tem sido a causa de muitos fracassos e atrasos no progresso do serviço missionário. 4) Os missionários eram esquecidos. Ou seja, eram despedidos com honra e grandes festas, porém, após sua partida eram esquecidos. A presença do pastor ou representantes da Igreja no campo missionário traz segurança ao obreiro e lhe ajuda a ganhar a confiança do povo. Porém, o obreiro que é esquecido, sente grande frustração; e isso só gera desconfiança no povo evangelizado. Lamentavelmente, esses e outros posicionamentos equivocados, além de sufocarem a chamada missionária de inúmeros obreiros, também bloqueiam as saídas de recursos para o campo missionário transcultural.
Continuação da viagem. Enquanto o missionário José Satírio viajava com sua família em solo brasileiro, não lhe faltou ajuda; além da generosidade das Igrejas de Tupã e Belenzinho, em Cuiabá ele também encontrou uma Igreja generosa. Ali, o pastor Sebastião Rodrigues de Souza o hospedou prazerosamente, ouviu seu testemunho e lhe concedeu oportunidade para pregar na Igreja sede e nas congregações. Enquanto esteve em Cuiabá, participando de vários cultos, o pastor Sebastião ordenou que recolhessem ofertas (sem que ele pedisse) para ajudá-lo na jornada missionária. Esse gesto generoso o fez sentir-se amado e agradecido pela maneira como foi tratado naquela cidade. Também permanece em sua mente a imagem bondosa da irmã Nilda, esposa do pastor Sebastião.
Depois de deixarem Cuiabá, passaram em Porto Velho e seguiram para Humaitá, cidade do Estado do Amazonas, plantada às margens do rio Madeira. No caminho, se defrontaram com o inverno, que na região Norte do Brasil significa chuva ininterrupta. A água invadia as estradas, e em muitos trechos só podiam prosseguir em balsas ou em pequenos barcos; enfrentaram, portanto, mais um perigo: o das toras que singravam perigosamente os caminhos dos rios. Às vezes só era possível continuar a pé, carregando as bagagens e as crianças nos braços. Vez por outra podiam contar com o relativo conforto de um ônibus e até com o impulso de uma pequena aeronave.
O calor parecia cozinhá-los lentamente, e a barulhenta orquestra de papagaios e pássaros menores não deixava seus ouvidos em paz. Do solo fértil brotavam as imensas seringueiras, em número bastante para impedir a luz do sol. Nessa caminhada obrigatória pelo terreno selvagem, se defrontaram com serpentes que rasteavam traiçoeiramente por entre as folhas secas do chão; também se depararam com jacarés à beira dos rios, olhando curiosos (ou famintos?!) para eles. As crianças ora riam divertidas com as novidades da selva, ora choravam assustadas com o desconhecido.
Às vezes eram obrigados a permanecer nos povoados até que o rio baixasse. Exaustos, dormiam em choças que lhes proporcionavam uma segurança duvidosa, acomodados em redes ou sobre esteiras que cobriam o chão (era o melhor que os irmãos e pastores podiam oferecer-lhes). Contudo, em plena floresta amazônica, encontraram o amor de Deus na vida dos irmãos; participaram dos seus cultos, e ainda puderam contar com sua generosidade, na forma de ofertas. Depois de muitos dias de viagem, chegaram a Humaitá; ali, um avião da FAB os levou até Manaus (estavam viajando há mais de um mês). Nessa cidade, capital do Estado do Amazonas, José Satírio procurou a Igreja e apresentou-se ao pastor Alcebíades Pereira. Ali, onde também foram tratados com muito amor, ficaram uma semana. Assim como em Humaitá, em Manaus o Senhor também abriu a porta para que um avião da FAB os levasse até Tabatinga (situada no extremo oeste do Estado do Amazonas, perto da fronteira com a Colômbia). Assim, a viagem durou apenas quatro horas de voo; um barco levaria dezoito dias para fazer essa viagem.
Ao sair do avião, Jose Satírio percebeu que um oficial olhava para eles fixamente. Não entendia por que, mas dava a impressão de reconhecê-los. Em seguida, ele se aproximou e disse: - São os missionários? Com a sua resposta afirmativa, ele os abraçou e disse: - A paz do Senhor. Seja bem-vindo, irmão! E começou a repetir, entre lágrimas, sondando o seu rosto: - É igualzinho, igualzinho! O que houve? Perguntou José Satírio. – Desculpe, disse ele. – Sou crente também; na noite passada, quando estava orando, o Senhor me deu uma revelação sobre a sua chegada: Ele me disse que vocês estariam muito cansados e que eu os fizesse descansar. A minha casa está preparada, quero que me acompanhem.
Então os dois se abraçaram e choraram. Em seguida, o oficial, que se chamava Antônio e era capitão, convocou alguns soldados que estavam nas proximidades e deu-lhes a tarefa de levar a bagagem para a sua casa, onde dois quartos muito bem arrumados os esperavam. Ali, no meio da selva, junto às fronteiras do Brasil, Peru e Colômbia, o Senhor lhes deu conforto. Ficaram quatro dias hospedados na casa do irmão Antônio, que era membro da Igreja Assembleia de Deus. Sobre o casal hospitaleiro, José Satírio diz: ‘impressionou-me a sensibilidade dele e de sua esposa, bem como o amor que nos dispensaram’.
Havia uma pequena Igreja ao lado do quartel do Exército (a maioria dos membros eram soldados); ali, como em outros lugares, o jovem missionário também teve a oportunidade de pregar a Palavra de Deus. O capitão Antônio entrou em contato com a base na Colômbia, falou com alguns graduados e conseguiu para a família um voo de Leticia (cidade colombiana, que faz fronteira com o Brasil) até Bogotá, capital da Colômbia. Assim, no dia 31 de março, cruzaram a fronteira.
Sua chegada a capital da Colômbia. Eram aproximadamente três horas da tarde quando chegaram a Bogotá. Logo que desembacaram, a secretária do Ministério das Relações Exteriores, lhe disse: O seu visto é de turista e tem validade de noventa dias; se ao final deste prazo o ministério negar a sua permanência, o senhor terá de sair do país. Se insistir, será considerado ilegal e poderá ser deportado.
Logo ele se apresentou ao conselho nacional das Assembleias de Deus, e foi muito bem recebido pelos pastores. Explicou-lhes o motivo de sua chegada ao país, e eles trataram logo de providenciar um lugar onde pudesse acomodá-los. Enquanto isso, ele deveria dar início à tramitação dos documentos necessários à sua permanência no país (tudo de acordo com a lei). Porém, missionários não eram desejados ali. Assim sendo, temendo, pensou na grande humilhação que poderia sofrer se voltasse ao Brasil (derrotado por um simples carimbo).
Ficaram hospedados na casa de um missionário brasileiro, Joanir dos Santos, que trabalhava em Bogotá. Ele cedera um quarto para eles, e foi onde se refugiaram. O fato de missionários não serem vistos com bons olhos pelo governo colombiano, também abateu a irmã Nair. Portanto, ficaram confusos. Então resolveram buscar resposta na oração, o recurso mais óbvio. Era aproximadamente uma hora da tarde quando começaram a orar; ao anoitecer, a irmã Nair levantou-se para atender as crianças. Porém, ele continuou orando noite adentro. Sua oração consistia em pedir a misericórdia de Deus e, se sua chamada fosse real, que Ele não o deixasse naquele momento.
Já passava da meia-noite; ele orava há quase doze horas e estava exausto. Bogotá é uma cidade fria da Cordilheira dos Andes, situada a dois mil seiscentos e quarenta e cinco metros de altitude. Não aguento mais, disse ele ao Senhor. Mais uma vez, portanto, reiterou seus pedidos e preparou-se para dormir; seu corpo tremia. Porém, quando ainda se ajeitava sob as cobertas aconchegantes, a porta do quarto se abriu. Pensou: quem poderia estar ali, naquela hora da noite. Havia um homem alto na porta, cuja cabeça quase tocava o batente da porta; vestia uma estranha roupa de cor clara, semelhante a uma túnica.
O estranho sorriu para ele. Quando percebeu, já estava sentado na beira da cama. Ele colocou a mão no seu peito e disse: ‘José, não temas. Descansa. Todas as coisas estão em minhas mãos. Quando amanhecer, irás para a cidade de Cúcuta e ali começarás minha obra’. Satírio pensou que aquele personagem era um ser celeste; entretanto, por alguma razão, achou que não era um anjo. Esse pensamento confirmou-se quando o personagem tirou a mão do seu peito; nesse momento, Jesus o fez entender que era Ele mesmo que estava ali.
Depois que o Senhor desapareceu, ele gritou: Jesus! A irmã Nair, despertando com o seu grito, perguntou: Que foi? Ele já estava de pé. Então, enquanto andava pelo quarto, disse: ‘Jesus esteve aqui e falou comigo! Não estamos sozinhos, Ele está conosco. As coisas vão bem’. Assim, lembrou-se do versículo que registra a presença do Senhor com os seus discípulos, para ajudá-los em sua missão (Mc 16.20). Sobre o lugar que iria trabalhar, quando saiu do Brasil, sabia apenas o nome do país; seu endereço final, isto é, o nome da cidade onde o Senhor queria lhe estabelecer, ainda era uma incógnita. Porém, a partir daquele momento, já tinha o nome da cidade, o seu endereço definitivo: Cúcuta. Assim, pôde dormir tranquilo.
No outro dia acordou revigorado. Conversou com o missionário Joanir e explicou aos pastores do Concílio que deveria ir para Cúcuta. Não tinha ideia de onde ficava tal cidade. É uma cidade que faz fronteira com a Venezuela - informaram. - Não sei se o irmão irá aguentar o calor. Contudo, se Deus o está enviando, é melhor que vá. Depois de passarem vinte dias em Bogotá, partiram para Cúcuta (capital do Departamento de Santander). Viajaram dezoito horas de ônibus, através da Cordilheira. Durante a viagem, estando ansioso para ver a cidade, José Satírio pensou: ‘Seria como na visão’?
Sua chegada a Cúcuta. Finalmente, chegaram ao destino. A entrada de Cúcuta, para quem vem de Bogotá, fica na parte ocidental. Na descida para a cidade, o ônibus faz uma volta e então é possível contemplá-la à mão esquerda. Assim, quando a viu, levou um choque. Ali, sobre um imenso vale, estendia-se a mesma cidade que Deus lhe mostrara no Brasil. Portanto, a visão se repetia: as casas, as ruas asfaltadas, as árvores, a montanha.
A estrada passava ao pé de um monte - o mesmo onde, de alguma forma, seus pés haviam pisado meses atrás! Era como se ele estivesse mergulhando na figura de um livro para também participar da história. Ao desembarcar em Cúcuta, ele trazia em sua carteira, apenas o suficiente para comprar algumas coisas para casa, pagar o primeiro mês de aluguel, adquirir madeira para os bancos da Igreja e sustentar a família durante duas semanas. Logo, quando gastasse o último dinheiro, sua garantia material estaria esgotada, porque não contava com o respaldo de nenhuma Igreja ou organização missionária.
Depois de deixar o terminal rodoviário, a família missionária saiu em busca de hospedagem. Tendo acomodado sua família em uma residência (uma espécie de pensão), praticamente no centro da cidade, próximo ao Parque Santander, o jovem missionário começou a andar pela cidade à procura de uma casa. Durante cinco dias trilhou as ruas e avenidas de Cúcuta. Embora não deixasse de pensar na providência de Deus, estava preocupado, porque logo não teria mais dinheiro para permanecer na residência, e também ainda não havia encontrado uma casa para morar.
No sexto dia, empreendeu mais uma caminhada, que prometia ser infrutífera. Porém, à tardinha, quando já estava prestes a encerrar sua busca, deparou-se com uma casa que lhe parecia familiar. Imaginou estar passando pelo mesmo lugar pela segunda vez. Era uma casa de esquina, pintada de verde. Assim, pôde constatar que já tinha visto aquele muro, inclusive a garagem, que estava situada nos fundos da casa. Ele estava diante da mesma casa que meses atrás visitara de forma sobrenatural. Também, a rua e a esquina eram as mesmas. A única diferença é que a casa estava fechada, sem vida. Alguém precisava lhe informar sobre ela.
Então, logo que avistou uma mulher sentada à porta da casa vizinha, aproximou-se e perguntou: Esta casa está vazia há muito tempo? Sim, há mais de um ano – respondeu a mulher. – Talvez tenham feito bruxaria, porque ninguém consegue viver nessa casa. Um tanto espantado, agradeceu. Voltou-se e, mais uma vez, contemplou aquela imagem familiar: o muro, a garagem, a tinta envelhecida. Naquele momento, uma voz, que ele também já conhecia, falou ao seu coração: - Esta é a tua casa. Está fechada, te esperando!
Caminhou até a porta, para ler o que estava escrito na placa que anunciava: Aluga-se. Conforme imaginava, era o endereço da imobiliária. No outro dia, foi ao escritório e perguntou pela casa do bairro Guaimaral; o homem que lhe atendeu, disse: O senhor está interessado? Diante da sua resposta afirmativa, lhe entregou alguns papéis para preencher que exigiam as seguintes informações que ele não podia fornecer: onde trabalhava, quanto recebia de salário, referências bancárias e comerciais. Porém, ele respondeu o que era possível: nome, endereço do hotel e propósito de querer fixar residência em Cúcuta.
Logo em seguida devolveu a papelada ao atendente, que ao observar, comentou: - Como o senhor pode preencher uma proposta de aluguel dessa maneira? Precisamos de informações completas! O referido homem deixou o balcão e encaminhou-se para outra seção, e José Satírio ficou no seu lugar, remoendo o suspense. Depois, ele voltou e perguntou: - O que o senhor faz?
- Sou missionário evangélico – respondeu. – Vim cumprir uma missão de Deus na cidade de Cúcuta.
- Ah! Espere um momento – disse ele. E voltou à sala onde entrara antes. Cinco minutos depois regressou com o semblante de quem tomara uma decisão. - Olhe, o que vou fazer não é possível a todo mundo. Para falar a verdade, é algo que nem se deve fazer. Mas vou alugar a casa para o senhor, confiando na sua palavra. Contente, já com as chaves da casa, dirigiu-se para a residência e disse a sua esposa: - Nair, alugamos a casa! Exultantes, trataram logo de fazer uma boa faxina. Assim, naquela mesma noite, foram para a nova morada. Porém, estando famintos, ele saiu para providenciar comida. Com o dinheiro escasso, contentaram-se com sardinhas, pães e uma coca-cola.
Na casa ainda despida de móveis, a noite prometia não ser das mais confortáveis. Sofreram com o calor; a temperatura em Cúcuta nunca se afasta muito dos trinta graus, e a casa abafada com telhas de fibra criava a sensação de estufa. Na bagagem trouxeram três redes, porém não tinham como pendurá-las. Então as estenderam no chão e dormiram por cima do tecido grosso e das roupas. O cansaço era tanto que os fez vencer o desconforto; e dormiram pesadamente. No outro dia, cuidaram de mobiliar a casa. Compraram três camas; uma de casal e duas de solteiro, e a mesa com seis cadeiras: tudo de qualidade questionável. Porém, isso era o máximo que os seus recursos escassos permitiam. Geladeira era um luxo impensável (só depois de um ano é que conseguiram comprar uma).
Momentos difíceis. Um fogão a gás também estava fora de questão. Assim, tiveram que buscar uma alternativa, e optaram por uma espécie de fogareiro a querosene, ou seja, um monstrinho de lata malcheiroso, cujo pavio costumava apagar com qualquer sopro de vento, e exalava um cheiro repugnante (o arroz muitas vezes ficava com gosto de querosene). No que se refere à escassez, talvez essa tenha sido a fase mais espinhosa para a irmã Nair em sua experiência missionária. Seus hábitos alimentares, portanto, sofreram drásticas mudanças. Os meninos (o menor, José, tinha dois anos) estavam acostumados com mamadeira no Brasil. Porém, agora não tinham dinheiro para comprar leite. O coração da irmã Nair doía quando o vendedor passava com sua carrocinha abarrotada de frutas apetitosas, e ela não podia comprar nada para as crianças que choravam, querendo frutas.
O desjejum consistia em café ralo e um pãozinho cortado em fatias; um pedaço para cada um. O cardápio do almoço era quase invariável: arroz, batatinha refogada e ovo mexido. Passaram alguns meses sem comer carne. Quando a fraqueza se tornava uma preocupação séria, providenciavam um reforço de mocotó. Às vezes, o único tempero da comida era o cheiro do querosene. Assim, durante vários meses foram alimentados com arroz e batata, preparados sem óleo e salgados apenas com as lágrimas inevitáveis. Para não causar uma impressão negativa, o jovem missionário não comunicava suas necessidades a ninguém. Desde os seus primeiros dias naquela cidade, o trabalho perseverante que ele fazia para o Senhor (evangelização de casa em casa, assistência a jovens viciados em drogas e a pessoas enfermas, etc.) não lhe permitiu se envolver com o trabalho secular para sustentar a família.
As primeiras conversões. Dez dias após sua chegada a Cúcuta, José Satírio reuniu sua família em um lugar perto de onde morava e realizou o primeiro culto. Começaram a cantar, e logo seus vizinhos ficaram sabendo que chegara ali uma família de evangélicos, que não falava espanhol e dizia coisas engraçadas. Embora falasse apenas duas ou três palavras em língua espanhola, o jovem missionário tentou pregar para o grupo de curiosos que estava ali. Alguns faziam sinais para os outros, como se estivessem perguntando se ele era louco. Contudo, o Senhor lhe deu graça para pregar, e o povo escutou a Palavra de Deus. Entre os ouvintes havia um que o olhava firmemente, prestando atenção ao que ele dizia. No final, quando ele fez o apelo, o homem ergueu o braço e aceitou Jesus. Este foi o primeiro convertido (Gilberto Serna), que inclusive tornou-se seu professor de espanhol e ajudou a construir os bancos para o pequeno salão que era improvisado na garagem, onde eram realizados os cultos (sua inauguração ocorreu no dia 05 de maio de 1975). Ele também o ajudou nas visitações e outros trabalhos que se iniciavam.
Sem perder tempo, o jovem missionário saia para evangelizar de casa em casa; levava seus folhetos e convidava o povo para os cultos já estabelecidos oficialmente na garagem de sua casa. Naqueles dias, o Senhor salvou umas oito pessoas, que fizeram uma entrega completa de si mesmas ao Senhor. Também, algumas pessoas já evangelizadas por outras Igrejas (que inclusive não estavam totalmente comprometidas com elas), começaram a frequentar regularmente as reuniões no pequeno salão. Um mês após o início do trabalho, José Satírio já podia contar com alguns irmãos para o trabalho de evangelização. Um grupo de oito, dez e até quinze irmãos o acompanhava sempre. Aos domingos à tarde, realizavam alguns cultos ao ar livre; paravam nas esquinas e cantavam, acompanhados apenas pelo chocalhar solitário do pandeiro da jovem Mecho. Após um ou dois hinos, ele pregava a mensagem, que tinha um único objetivo: conquistar almas para Cristo. Entretanto, sabendo que a vitória só seria obtida por obra e graça do Espírito Santo, ele dedicou-se então às orações noturnas (inclusive vigílias) e aos jejuns.
Conversões que impactaram o bairro. Embora José Satírio falasse mais português do que espanhol, um moço recém-casado (Guillermo Rangel, que vivera dominado pelas drogas), o ouviu pregando a Palavra, e não resistiu; com lágrimas entregou-se ao Senhor. Sua decisão fez sua mãe (Celina, que era inimiga dos evangélicos) lançar uma panela de água fervente sobre um grupo de jovens evangélicos que conversavam ao lado de sua casa. Porém, essa senhora, Celina, que inclusive era muito católica, não podendo mais ignorar a mudança na vida do filho, um dia (sete ou oito meses após a conversão do rapaz) apareceu chorando em um dos cultos matinais, e após pedir perdão ao Senhor e a Igreja, disse: quero hoje ser como o meu filho. Sua conversão, de alguma maneira, abalou o bairro, porque era ela quem recolhia as ofertas e donativos para a igreja Católica. Além de influente na paróquia, era uma líder política do bairro, que buscava recursos junto ao governo do município e do Estado.
Jairo Rodrigues também era um jovem viciado em drogas; quando se drogava saía pelas ruas para roubar e praticar o mal. Tinha os cabelos compridos (pela cintura), era magro e de aspecto assustador; vestia-se à moda dos hippies, às vezes descalço, às vezes calçado com botas ou tênis. Certo dia, em um dos cultos ao ar livre, ele aproximou-se do pequeno grupo e entregou sua vida ao Senhor. Depois, já liberto, acompanhou os irmãos para o culto da noite. No outro dia, embora não houvesse culto, voltou à congregação completamente diferente. Era difícil reconhecê-lo, porque estava com roupas limpas e sem os cabelos compridos. Esse foi mais um testemunho visível no bairro, para a família e os amigos. Assim, sua conversão contribuiu para que outras pessoas se entregassem ao Senhor. Ele conquistou para Cristo, os jovens Robison (de uma família importante do bairro, mas que era viciado) e Carlos Alberto Moros, que hoje é pastor em Barranquilla.
Chuva de bênçãos. Vários parentes desses jovens viciados se entregaram ao Senhor. Também, o fim daquela extrema escassez aconteceu da seguinte maneira: Cerca de sete meses após sua chegada a Cúcuta, em um domingo (era quase meio-dia), pouco depois do encerramento da escola dominical, a irmã Nair os chamou para almoçar. O cardápio era o costumeiro: arroz e batata, sem sal e sem óleo. Sulamita, sua filha mais velha, não conseguiu comer. Ela chorou e devolveu a comida ao prato. Isso foi o suficiente para a irmã Nair desabafar, dizendo: As crianças já não suportam mais. Estamos comendo um alimento que não tem sabor... E começou a chorar. Ao contemplar aquela triste e difícil situação, Satírio respondeu: Mas é o que Deus nos deu! Em seguida, os cinco começaram a chorar em torno da mesa. Era só o que lhes restava fazer.
Naquele momento ele pensou: Por que estou passando por tudo isso? Por que não sou digno de uma ajuda financeira? Também, lembrou-se das seguintes palavras desencorajadoras que ouvira em território brasileiro: - A fé termina quando começa a fome. - A Igreja não reconhece esse tipo de trabalho. - Você vai ficar esquecido. Assim, enquanto se travava uma batalha em seu interior, para que ele não confiasse no Senhor e murmurasse, fez a seguinte oração em espírito: ‘Guarda-me, Senhor, para que eu jamais perca a confiança em ti e seja um murmurador. Pois tu és o meu pastor, e nada me faltará’.
Depois, lembrou-se da oração que Jesus ensinou aos seus discípulos: ‘O pão nosso de cada dia dá-nos hoje’(Mt 6.11). Isso o fez compreender que aquele alimento (batatas insossas e arroz com sabor de querosene) era o pão que Deus lhes dava naquele momento. Assim sendo, pôde entender que o ‘pão de cada dia’ é aquilo que satisfaz ou ameniza a fome em determinado momento. Porém, ainda estavam à mesa quando ouviram batidas na porta. Pelo fato de está com os olhos inchados de chorar, ele foi primeiro lavar o rosto para depois abrir a porta. Ali estava um irmão da Igreja, Álvaro Jaimez, que disse o seguinte: Desculpe, o que eu quero é dizer que vocês me preocupam. Eu estava almoçando e senti uma profunda preocupação por vocês. E vim trazer isto aqui. E, sem mais palavras, foi embora.
Ele trouxera trezentos pesos (talvez o equivalente a dez dólares). Portanto, o Senhor ordenara a um de seus servos que fosse levar aquele dinheiro para eles. Imediatamente, Satírio foi ao mercado e comprou sal, óleo e um pedaçinho de carne, para que a irmã Nair pudesse preparar o almoço. Embora já fosse um pouco tarde, naquele dia almoçaram bem. Daquele dia em diante, nunca mais faltou pão no seu lar. No tocante ao dinheiro que entrava nos cultos que eram realizados na pequena garagem, no primeiro mês de trabalho (entre os dias 05 de maio e 05 de junho) já podiam contar com trezentos e dezoito pesos, cerca de dez dólares (o aluguel que estava prestes a vencer era mil e trezentos pesos).
Quanto ao transporte, apesar de estarem na cidade, os caminhos eram difíceis. Sem dinheiro para pagar a passagem era preciso caminhar com a irmã Nair e as crianças, cerca de quarenta minutos até o ponto de pregação no Bairro San Mateo, por exemplo. Entretanto, depois que o pequeno rebanho recebeu o ensino sobre a responsabilidade e as bênçãos que envolvem a contribuição, um novo convertido chamado Guillermo Rangel, na semana que vencia o aluguel, trouxe a sua contribuição para a Casa do Senhor, exatamente mil e trezentos pesos (o valor do aluguel). Assim, pouco a pouco, outros irmãos uniram-se a ele para também servirem ao Senhor com os seus dízimos e ofertas.
A gloriosa presença durante a perseguição. Antes de subir ao céu, Jesus disse que estaria sempre com os seus discípulos (Mt 28.20b). Essa gloriosa presença jamais deixou de acompanhar o ministério de José Satírio. Entre as várias perseguições que ele enfrentou na Colômbia, vejamos apenas a seguinte: Em uma tarde de sábado, enquanto ele voltava de Ragonvalia, uma multidão com mais de trinta homens armados com enxadas, paus e facões, obstruiu o seu caminho. Três pessoas estavam com ele no carro (um obreiro chamado Contreras e duas professoras de escola dominical). Quando parou o Volkswagen, um homem armado de revólver aproximou-se dele e disse: Tenho ordem para matá-lo. Por quê? O que foi que eu fiz? Perguntou o missionário. - Não queremos essa praga aqui, disse ele. A praga referia-se aos crentes.
O homem repetiu a ameaça, dizendo: Tenho ordem para matá-lo, e vou matá-lo. Não tenho medo da morte – respondeu José Satírio. – Venho aqui pregar o Evangelho, trazer boas novas de salvação a vocês, a este povo que está aqui. A irmã Blanca, que nos empresta a casa, é uma pessoa conhecida na cidade. - Ela traiu a fé, a religião de seus pais – vociferou o homem. – E o sacerdote mandou fazer esse trabalho, e vou fazer. Então ele apontou o revólver para José Satírio. Porém, ele perguntou: - Que religião é essa, que manda matar o próximo? O mandamento do Senhor é: ‘Não matarás’. Apesar do frio característico de um lugar de altitude superior a dois mil e quinhentos metros, o homem começou a suar. Vendo que fraquejava, continuou: - Saiba de mais uma coisa: é onde se derrama sangue de crente que nasce as maiores Igrejas. Depois de ouvir essas palavras, o homem abaixou o revólver, recuou um passo e deu um chute na porta do carro. Então, Satírio começou a conduzir o carro vagarosamente. Enquanto abriam caminho, os homens enfurecidos começaram a atirar paus e pedras no carro. Porém, nada os atingiu. Hoje há uma congregação em Ragonvalia, e alguns dos homens que participaram do ataque são membros da Igreja.
A primeira oferta recebida do Brasil. O período da escassez chegara ao fim, exatamente quando eles já estavam sem sapatos, com as roupas gastas e a comida ainda mais racionada. Naquele momento, o Senhor mobilizou a Igreja Assembleia de Deus em Matão (Estado de São Paulo), através do pastor Manoel Tributino, para enviar-lhes uma oferta. A chegada da primeira oferta do Brasil foi motivo de muita alegria. Portanto, sem pensar duas vezes, foram depressa ao mercado e compraram comida, roupas e calçados. Um dos meninos, que não se lembrava de tanta fartura, disse a irmã Nair: Mamãe, já estamos ficando ricos! Sim, filho, sim! – Disse ela. A generosidade da Igreja de Matão foi uma bênção para o missionário Satírio e sua família. Com esse gesto, os irmãos de Matão e seu pastor exemplar, Manoel Tributino, abriram uma porta para que outras Igrejas também cooperassem com essa importantíssima obra. ‘Gostaria de abrir um parêntesis aqui para agradecer ao pastor Manoel Tributino e a Igreja de Matão, pelo seu apoio durante o tempo que trabalhamos em Concordia (Provincia de Entre Ríos, Argentina). Durante quase três anos, os irmãos de Matão jamais deixaram de enviar mensalmente para nós, cem dólares. Que o Senhor lhes recompense com ricas bênçãos espirituais’!
A visita dos pastores brasileiros. Dois anos depois de estarem em Cúcuta, os pastores Manoel Tributino e José de Oliveira foram enviados pela Igreja Assembleia de Deus em Matão, com o propósito de conhecer o recém-fundado trabalho em Cúcuta e confirmar a fé dos irmãos. O apoio desses pastores ajudou o novo trabalho, inclusive desfez quaisquer dúvidas que porventura pudessem existir sobre o seu ministério. Assim, essa visita provou que o missionário Satírio não era um aventureiro ou oportunista, mas um servo de Deus interessado unicamente em espalhar o Evangelho de Cristo. As boas novas levadas ao Brasil por esses dois pastores, devolveram a confiança aos líderes da Igreja Assembleia de Deus do ministério do Belém (SP). No ano seguinte, o pastor Manoel Bezerra, que na época dirigia o setor de São Miguel Paulista (zona leste de São Paulo), participou da primeira escola bíblica do recém-fundado trabalho missionário em Cúcuta. Essa comunhão contribuiu para que o missionário Satírio fosse convidado a relatar suas experiências aos obreiros paulistas em uma escola bíblica no Belenzinho. Seu testemunho ajudou a ampliar a visão missionária de muitos obreiros paulistas.
Um trabalho exemplar. Os primeiros três anos foram de trabalho intenso. O resultado desse trabalho, é claro, foi o crescimento da Igreja. Portanto, já era hora de procurar um local maior para a Igreja. No seu livro (Missão em cúcuta), Satírio relata detalhadamente como o Senhor abriu a porta para eles comprarem uma área do tamanho de uma quadra inteira, no centro de um bonito Bairro de Cúcuta, Los Pinos. Ali, milagrosamente foi construído um lindo templo. Hoje, na grande área, além do templo (com capacidade para abrigar milhares de pessoas sentadas), funciona também o Colégio Acadêmico Ebenézer, uma livraria evangélica, uma lanchonete e uma loja que vende roupas. Em janeiro de 2004, quando estive em Cúcuta, a Igreja dirigida pelo missionário José Satírio nessa cidade, já contava com mais de vinte mil crentes. Nessa ocasião estive em um lindo restaurante da Igreja (com área de lazer), no centro da cidade. Além desse lindo restaurante, a Igreja possui cinco Rádios: duas em Cúcuta (a Rádio Guaimaral e a Rádio Tasajero) e três Fms – uma na cidade de Chinacota, no povoado de La Donjuana, outra na cidade de Montéria e a terceira em Sincelejo.
Em todo o país (Colômbia), o ministério fundado pelo missionário José Satírio já conta com mais de 60 mil crentes. Além da Igreja que está no Bairro de Los Pinos e várias congregações espalhadas pelos Bairros de Cúcuta, esse ministério também fundou várias Igrejas em outras cidades do país e fora dele. Nos anos 90 fundamos duas Igrejas na Venezuela (em San Cristobal, capital do Estado Tachira, e em Tariba; essas duas cidades estão situadas a menos de 60 km de Cúcuta). Quando fomos para Maceió (em abril de 1998) essas duas Igrejas ficaram sob a responsabilidade do ministério de Cúcuta (nesse tempo, o trabalho contava com poucos crentes). Depois de quatro anos, quando estive em San Cristobal, em 2002, o missionário Eliseu (filho do missionário José Satírio), que na época dirigia o trabalho, me disse que essa obra já contava com mais de 1000 crentes.
A chama missionária que o Senhor acendeu no coração de José Sarírio, quando ele ainda se encontrava em solo brasileiro, jamais se apagou. Portanto, o avivamento que o Espírito Santo iniciou em Cúcuta, por seu intermédio, se estendeu por toda a cidade e já se encontra em muitas partes da Colômbia e em outros países. Os talentos que o Senhor lhe confiou foram multiplicados. Você gostaria de imitar a fé desse valoroso servo de Deus, que continua conquistando almas para o Reino de Deus? Deus deseja levantar um exército de soldados valentes (como José Satírio), neste início de século, para atender o clamor das pobres almas que estão morrendo sem a salvação (At 16.9). Peçamos ao Senhor obreiros para o campo missionário, que está deserto (8.26).
A maior parte do material usado nesta pequena biografia é um resumo das páginas (15-17, 20-22, 25, 26, 30-32, 36-42, 48-55, 75-83, 88, 98, 104-108, 130, 146, 147, 158, 160, 207, 208) do livro “Missão em Cúcuta”. (Adaptado)
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